Teresa Cristina e o grupo Samba que Elas Querem trazem felicidade com o consciente show ‘Um sorriso preto’ | Blog do Mauro Ferreira


Lágrimas claras caíram sobre a pele escura de Teresa Cristina quando a cantora carioca deu voz ao morro e iluminou o samba Atear as velas (Zé Kétti, 1964) no show Um sorriso preto.

O pranto da artista aguçou a consciência do público que assistiu ao encontro de Teresa com o grupo carioca Samba que Elas Querem no palco do Teatro Riachuelo, no núcleo da cidade do Rio de Janeiro (RJ). Era o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro de 2018, data propícia para a estreia desse show do qual roteiro foi formado por músicas de compositores negros.

A emoção de Teresa voltou a fluir no termo, no bis arrematado com o tema tradicional Marujo só, menção ao esquina matricial de Clementina de Jesus (1901 – 1987). Mas, ali, Teresa Cristina chorou sobretudo de alegria pelo óptimo resultado final de show que fincou a bandeira da resistência e da luta pacífica que se faz necessária em tempos ameaçadoramente conservadores.

Teresa Cristina e grupo Samba que Elas Querem no show 'Um sorriso negro' — Foto: Mauro Ferreira / G1Teresa Cristina e grupo Samba que Elas Querem no show 'Um sorriso negro' — Foto: Mauro Ferreira / G1

Teresa Cristina e grupo Samba que Elas Querem no show ‘Um sorriso preto’ — Foto: Mauro Ferreira / G1

Nessa cena resistente, Teresa se juntou a Barbara Fernandes (violão), Cecilia Cruz (conversa), Duda Bouhid (tamborim), Giselle Sorriso (surdo), Júlia Ribeiro (conga e caixa), Karina Neves (flauta transversa), Mariana Solis (agogô), Maria Angélica Marino (tantã) e Silvia Duffrayer (pandeiro) para bradar orgulho preto com a alegria de estar cantando alguns dos melhores pagodes surgidos na roda desde que o samba é samba. Roda no qual o grupo Samba que Elas Querem vem abrindo espaço crescente, tomando partido desse samba que agoniza (no mercado), mas não morre.

Se a intenção foi desabar no samba com consciência social da história sofrida do povo preto, zero mais combinado que relembrar a mãe maior, África, na fenda do show, feita com Axé de Ianga (Pai maior), pérola afro em que Dona Ivone Lara (1922 – 2018) evocou o som de Angola e o passo do jongo. Também gavinha do Brasil com a África, Clementina de Jesus foi lembrada dois números depois com Benguelê (Pixinginha e Gastão Viana, 1946).

Sem preocupação cronológica, mas procurando simbolizar no roteiro os compositores negros mais referenciais da história do samba, Teresa Cristina se fartou com a cozinha azeitada do Samba que Elas Querem, dando voz reverente a sambas que não costuma trovar em público, uma vez que Coisa de pele (Jorge Aragão e Acyr Marques, 1986), Dia de perdão (Luminária, 1970), Estácio, eu e você (Luiz Melodia, 1973), Eu e você sempre (Jorge Aragão e Flávio Cardoso, 2000), Trilar da passarada (Argemiro Patrocínio e Casquinha, 1981), Gostoso veneno (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1979) e Quantas lágrimas (Manacéa, 1970), entre temas de lavra própria.

Sim, com produção autoral momentaneamente ofuscada por shows e discos em tributos a sambistas uma vez que Cartola (1908 – 1980) e Noel Rosa (1910 – 1937), Teresa Cristina é boa compositora cuja obra concilia lirismo e ecos da mãe África, uma vez que mostrou ao reviver A vida me fez assim (Teresa Cristina e Argemiro Patrocínio, 2004) e Candeeiro (Teresa Cristina, 2004).

Teresa Cristina canta...<BR>



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Candeia, Jorge Aragão e Zé Kétti no show 'Um sorriso negro' — Foto: Mauro Ferreira / G1Teresa Cristina canta Candeia, Jorge Aragão e Zé Kétti no show 'Um sorriso negro' — Foto: Mauro Ferreira / G1

Teresa Cristina canta Luminária, Jorge Aragão e Zé Kétti no show ‘Um sorriso preto’ — Foto: Mauro Ferreira / G1

Com bom conhecimento da evolução do samba, a cantora pecou somente ao propagar a história fake de que Clara Nunes (1942 – 1983) não lançou o samba Milénio réis (Luminária e Noca da Portela, 1978) – devidamente lembrado no show – porque saiu de cena antes de gravá-lo. Clara morreu cinco anos depois a gravação do samba que, se não lançou, foi porque não quis, não por falta de tempo.

Solo vocal e vivaz da pandeirista Silvia Duffrayer, Zé do Caroço (Leci Brandão, 1980) subiu o morro com batida levemente funkeada que deu atualidade ao samba. No bis, Teresa Cristina puxou sambas que reforçaram o sentido político do show Um sorriso preto, casos dos sambas-enredo 100 anos de liberdade, verdade ou Ilusão? (Hélio Turco, Jurandir da Mangueira e Alvinho, Carnaval de 1988) e Ilu Ayê (Terreno da vida) (Colmado e Norival Reis, Carnaval de 1972), ambos com evocações da África e da negritude.

Enfim, Teresa Cristina e as meninas cantaram e tocaram o samba que a plateia queria ouvir, a ponto de a cantora ter aceitado o repto de improvisar samba do repertório da cantora de Elza Soares, a pedido de testemunha.

Uma vez que nas melhores rodas de samba, Malandro (Jorge Aragão e Jotabê, 1976) saiu com tanta naturalidade que pareceu até ter sido ensaiado, reiterando a certeza que o show Um sorriso preto trouxe felicidade, banhada com algumas justificadas lágrimas, no Dia da Consciência Negra. (Cotação: * * * *)

 — Foto: Editoria de Arte / G1 — Foto: Editoria de Arte / G1

— Foto: Editoria de Arte / G1



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