Dois papos ligeiros sobre increpação (I) | João Supremo
Toda increpação é burra. Autoritária, preconceituosa, violenta, castradora, repulsiva, ditatorial, indefensável e, além de tudo, burra. Começa por produzir efeitos contrários aos das intenções do censor, fazendo crescer o interesse das pessoas pela exposição, peça de teatro, programa de TV, filme, livro ou música que, em nome da moral ou dos bons costumes, decide-se proibir.
A propósito de seu recém-lançado livro “O herói mutilado – Roque Santeiro e os bastidores da increpação à TV na ditadura”, a jornalista Laura Mattos observa que toda a increpação é política. A moral e os bons costumes que pretende preservar são, na verdade, falsos valores defendidos por quem está no poder. Ela cita porquê exemplos a tentativa de apreender quadrinhos com ósculo gay na Bienal do Livro, peça que o CCBB não quer encenar pelo caráter ideológico e cartilhas escolares que o governador de São Paulo manda recolher. Sem falar na guerra ao “teatro de esquerda” que novo diretor da Funarte declarou, começando por prescindir todo mundo que se atrevia a pensar dissemelhante dele.
Laura Mattos está certa: toda increpação é política. Ou será que alguém vê uma resguardo da família brasileira na pena de obras de arte sobre negros, índios, favelados, pensadores de oposição, LGBT e outros alvos habituais?
A autora do livro, centrado no talento contestador e frequentemente proibido do dramaturgo Dias Gomes, faz uma pesquisa sobre o papel da increpação na História do Brasil, voltando até 1843, quando o Conservatório Dramático Brasílio, instituído ao tempo de Pedro II, só aprovava obras teatrais que não atentassem contra, já logo, “a moral e os bons costumes”. Segundo a pesquisa, nos 176 anos que se seguiram, não houve um só governo brasiliano – democrático ou não – que de alguma forma não recorresse à increpação.
Esta, todavia, é constatação que requer certos cuidados na versão. Censuras que antigamente estabeleciam com qual idade se podia presenciar a levante ou àquele espetáculo tem um significado. Burra também, pois até hoje não sei que mal teria feito a mim e à minha família presenciar, em 1946, à estreia de “Gilda” na tela do Carioca, quando a cena mais ousada do filme mostra Rita Hayworth tirando a luva preta para despojar o braço enquanto cantava “Put the blame on Mame”.
data-track-category="Link no Texto" data-track-links=""> Estávamos no primeiro ano pós-ditadura Vargas e ainda era provável achar-se mal-parecido o que era bonito. Com o tempo, as coisas foram mudando, e a increpação etária perdeu o caráter de proibição. Porquê também foram mudando as cabeças de outros governos, sempre no sentido de tornar mais livre o varão, a arte, a cultura. Outros governos, é simples, não ditatoriais. Ou não, porquê o atual, tão sintonizados com o pretérito.
A pesquisa pede versão cuidadosa para que, com ela, não se justifique ou simplesmente se explique a proibição de livros, filmes, peças de teatro, ou a guerra ao teatro de esquerda, porquê partes de nossa História. São burras porquê todas as outras censuras, mas indesculpáveis. Ou muito menos desculpáveis do que a que só me deixou ver “Gilda” quando braços nus, mesmo lindos porquê os de Rita Hayworth, já não levavam tanta gente ao cinema.
De volta aos dias de hoje, parece que a increpação vem se fazendo mais burra à medida que o tempo avança. Não só por levar mais gente a ver o que querem proibir, mas também por ser ela – porquê sempre foi – exercida por gente despreparada, burocratas desinformados, cumpridores de ordens, censores que se propõem a pensar da mesma maneira que o patrão, o qual, por ser “o patrão”, passa a sentimento de que pensa patente.
Um exemplo é o que levou aquele mesmo diretor da Funarte a fazer do Teatro Glauce Rocha uma vivenda de espetáculos dedicada ao público cristão. Quer proferir, porquê o patrão descobriu-se cristão, evangélico, o Brasil supra de tudo, Deus supra de todos, o chefiado decidiu transformar o palco do velho teatro, no Meio do Rio, num sítio onde não há lugar para peças escritas ou montadas por judeus, muçulmanos, umbandistas, ateus ou mesmo cristãos, se de esquerda.
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