Alexandre Nero estampa a capa da edição de setembro da Rolling Stone Brasil

“O ser humano é uma máquina que deu errado, diz Alexandre Nero, na varanda de uma casa no Rio de Janeiro, de onde é possível avistar o Cristo Redentor. A voz é calma, mas ele dá intensos socos na mesa (coisa que faz bastante) antes de concluir que “a imbecilidade é uma epidemia que não tem volta”.

Usando camiseta, calça jeans e chinelos, o ator Alexandre Nero Vieira, de 44 anos, parece um parente simpático de José Alfredo de Medeiros, o Comendador de Império, novela das 21h da Rede Globo. É o primeiro protagonista dele na TV. Longe das roupas pretas e do ar pesado que seu personagem carrega, Nero lembra mais o músico curitibano que já gravou oito CDs, um DVD e que tem uma intensa carreira em espetáculos teatrais e nos bares da capital paranaense. Formado como técnico em agropecuária, também já trabalhou como vendedor de telemarketing e caixa de banco. Perdeu os pais quando nem tinha completado 18 anos. Era mais fácil acompanhar seu lado exagerado, poético e escrachado nas canções que escreve (alguns títulos: “Paixonite”, “Hilário” e “Golden Shower”) do que na televisão, em que estreou em 2008 no papel do verdureiro Vanderlei, na novela A Favorita.

“Sem dúvida estou sendo hiperbólico. É erro meu me manifestar assim, aliás. Mas do jeito que a humanidade está caminhando, do jeito que nós estamos levando a coisa, eu não vejo esperança nenhuma em nada”, Nero prossegue enquanto a tarde cai, os pássaros cantam e a região exala mais Tom Jobim e menos Paulo Leminski – um dos autores que inspiram a poesia do ator. Grandalhão e afável, ele fala sobre tudo e não se preocupa em bancar o bom-moço empetecado. Nero pode ser comparado a uma granada – algo aparentemente inofensivo, mas que pode causar um enorme estrago. Esse despudor estourou quando ele era um dos convidados fixos do programa Amor & Sexo e brigava para falar sem censura.

Mas a linha de pensamento continua. “Hoje se vive mais, a habilidade de adaptação é brilhante”, ele divaga. “Apesar de ter feito essas coisas maravilhosas, o ser humano é um bicho imbecil.” Depois de seis novelas e alguns personagens de sucesso – Gilmar em Escrito nas Estrelas e Baltazar, o Zoiúdo, em Fina Estampa –, o jeito reflexivo e explosivo de Nero virou a aposta da Globo para combater um certo esgotamento de seus protagonistas – chamados de “coxinhas” por causa do excesso de bom-mocismo. Assim como a televisão norte-americana vive a sua terceira era de ouro com anti-heróis difíceis e complexos, como Don Draper da série Mad Men, chegou a hora de a TV aberta brasileira encarar um personagem cinzento, um cabra capaz de fazer coisas ruins para conquistar o bem. Alexandre Nero carrega essa dualidade. No DVD musical que dirigiu e lançou no ano passado, um tratado sobre o amor, misturou fanfarra para falar de paixão e sexo e declamar “Merda e Ouro”, de Leminski (“Não há merda que se compare/ à bosta da pessoa amada”). Ele se vê como um infiltrado na TV; prefere dizer “boceta” em vez de “pepeca”; e se diz “completamente a favor das drogas”. O que significa um tipo desses representando
o programa de maior audiência no Brasil?

Assista ao making of das fotos de Alexandre Nero para a Rolling Stone Brasil.

Você acha que a escolha de um protagonista complexo, anti-herói, neste momento da teledramaturgia brasileira, é uma quebra de paradigma, assim como aconteceu com Breaking Bad, Mad Men e outras séries norte-americanas?
O Aguinaldo [Silva, autor de Império] veio com uma história: “Vai ser um novelão”. Ou seja, uma novela tradicional. Ele resgatou uma coisa que a dramaturgia tinha perdido. Por algum motivo que eu não sei, entramos num caminho em que os protagonistas eram sempre bonitos, lindos, perfeitos, maravilhosos e bonzinhos. Aquela ética do mito grego, de que o homem não erra, não tem problemas. Mas antes não era assim. O próprio Roque Santeiro, clássico do Aguinaldo, tinha o Roque, que era um pilantra, um calhorda. Macunaíma era um preguiçoso, anti-herói. Eu acho que estamos resgatando uma coisa que eu espero que floresça com as outras que vêm por aí. O passado é o futuro.

Em relação ao Comendador, parece que há um trabalho de construção de um personagem nada maniqueísta, sem bem contra o mal.
Eu não gosto da palavra bonzinho. A palavra bom é bem diferente de bonzinho [bate na mesa]. Eu não sou bonzinho, eu sou bom! O bonzinho parece bobo. Para você combater o mal, você não pode ser bonzinho. Você tem que ser bom. E bom é forte, é porrada, entendeu? Porque para passar a perna no mal, você precisa ser bom. E pá! Não é “calma, desculpa”. Não. É pá! Desculpa é o caralho. E pá! O Zé Alfredo é bom, mas não é bonzinho. Ele tem seus problemas, seus defeitos. Ele não toma tapa na cara e vai chorar com a mãe. Ele toma tapa na cara e dá outro.

Você sente uma política de censura, da onda politicamente correta, no seu trabalho?
Nada, de maneira nenhuma. Tem alguns cuidados, o bom senso.

Houve esse caso da rede social. Você tuitou “Vocês ainda não entendem por que nas novelas não tem sexo, drogas, beijo gay e violência gratuita? Porque isso só existe na vida real!” e causou polêmica.
Sim, eu falei da caretice das pessoas, não da Globo! [bate na mesa] Se tivessem o mínimo trabalho para ler o que estava escrito embaixo, iam ver o que eu estava falando. Pela Globo, bicho, ela quer fazer o que o público quer ver. O público é pé atrás. A gente convive num universo completamente diferente da grande e avassaladora maioria do povo brasileiro. Eu ouço isso diariamente dos motoristas de táxi: “Porra, a Globo só faz novela com viado agora, hein, pô!” Ontem eu parei para comer um cachorro-quente e a mulher falou: “Ei, a Globo tá com muita pornografia, hein”. Onde? Eu não consigo ver um peitinho na Globo! Pra mim, a programação da Globo é altamente familiar.

Você se censura na rede social?
Censuro 90% das coisas que quero falar. É péssimo.

E isso vai pra onde?
Vai para a minha música, para a peça de teatro, para o livro. Vai para algum lugar, mas não vai para a rede social. Eu já tive blogs fakes. Fazia minhas coisas de humor pavoroso [risos].

A autocensura não é ruim, não te incomoda?
Eu sofro, sim. Às vezes é mais forte do que eu e escrevo [gargalhadas]. As pessoas não conseguem entender o cinza, é tudo preto ou branco. O artista faz um personagem mau, então ele é mau. O artista faz um personagem bom, ele é bom [bate na mesa]. É tudo preto e branco, é tudo bipolaridade, não existe colorido no meio. Então, se escrevo qualquer coisa sobre assassinato, sexo, drogas, significa que eu faço isso. As pessoas não conseguem entender que aquilo é apenas uma divagação sobre um assunto, uma reflexão.

E a resposta do público?
Gostam dele porque ele é bom. Conseguimos construir um personagem que faz com que as pessoas saibam que ele não é bonzinho, mas no fundo é um cara bom, que quer o bem. Diferentemente de outros que são supersorridentes, legais pra caralho, mas é tudo filho da puta. Ele não ri, não é pra cima, é totalmente inverso. Ele se veste de preto, fala baixo, não fica sorrindo pra todo mundo, não faz social. Ele é verdadeiro. Mas as pessoas conseguiram gostar dele.

Então o diálogo é muito mais com o passado das novelas brasileiras do que com as séries norte-americanas feitas hoje?
Eu acho. É muito mais um resgate do que a teledramaturgia fazia.

Mas isso significa alguma coisa, não?
Não sei. O Aguinaldo é um sacana, no melhor sentido da palavra. Ele gosta de ficar zoando os outros. Adora sacanear público, jornalista, mas no melhor sentido. Ele não tem pudor de falar mal. Fala mal de mulher, de alto, de baixo, de preto, de branco, de gay. Sacaneia todo mundo. Isso eu acho do caralho. Ele é um sarcástico. Não sei por que se perdeu isso na teledramaturgia.

Você acha que seu personagem é uma reação a esse bonzinho, a essa onda que parecia dominar as novelas?
Sem dúvida. Juntou-se uma tríade de caras sacanas. Se eu sou protagonista, o Aguinaldo é o autor, e o Papinha [Rogério Gomes, diretor- -geral de Império] é o diretor de núcleo… São três sacanas, no melhor sentido, que adoram brincar, que são sarcásticos. Eu acho que é um rompimento, mas não quer dizer que a próxima novela não será da forma antiga. Mas é algo que há muito tempo não se fazia.

Porém, com todas as limitações do horário e da emissora.
A gente tem que lembrar sempre que é na TV aberta, às 21h, e a classificação é 14 anos. Por ser uma TV aberta, deve satisfação ao governo. E tem uma limitação sobre o que pode e o que não pode ser feito. Eu não posso falar “vai se foder, seu filho da puta, eu vou estourar a sua cabeça e seu cérebro vai voar no meio da rua”. Não posso. Então não adianta trazer o roteirista de Família Soprano para cá para fazer na TV aberta. Porque essa cena vai estar assim: “Seu bobinho cabeça de melão, eu vou machucar você”. Aí falam que falta roteirista no Brasil. Não falta. Falta possibilidade e lugares para se fazer. Eu queria ver o cara de Família Soprano vir pra cá e colocar o [protagonista Tony] Soprano ameaçando alguém sem poder pegar arma. Queria ver fazer isso! É muito complexo.

Como você escapa desse público que não quer ver sexo ou situações mais pesadas?
Eu fico tentando colocar as minhas coisas lá. Eu sou um infiltrado na Globo [ri e bate na mesa]. Eu fico tentando. São vários infiltrados, na verdade. Miguel Falabella, Wolf Maya, Aguinaldo, Gilberto Braga, esses caras estão o tempo todo empurrando, tentando. Eu me sinto nesse lugar.

E esse empurra-empurra está avançando algumas coisas?
Acho que está indo. Primeiro que não depende da TV. Parece que estou puxando o saco ou querendo me eximir de uma coisa… Eu não sou um funcionário, sou um contratado. Eu acho que nunca a culpa foi da Globo. Ela segue os princípios do Ministério Público e ela deve satisfações por ser um canal aberto, é uma concessão pública. Ela não pode passar isso, não pode passar aquilo. Só que a gente esquece que às vezes tem uma criança de 7 anos ao lado do vovô. Pela média, eu acho que a Globo está muito avançada.

Você não se sente podado na sua profissão?
Não. Eu me sinto podado, mas não pela Globo [bate na mesa]. Eu me sinto podado na rede social e lá não tem Globo. Eu me sinto podado quando falam o que eu não posso falar. E tem outra coisa que as pessoas esquecem. Há um policiamento do público e acho que até do Ministério Público em cima da Globo, justamente por causa dessa abissal diferença de ibope. Um programa como o Pânico na Rede Globo não duraria um mês. O Ministério Público acabaria com esse programa ou o passaria para as 3h da manhã. Como é num traço de Ibope, não repercute, está quietinho ali, tudo bem, não tem problema. Mas na Globo não tem como. Tem uma diferença de tratamento. Não deveria, porque se não pode, não pode com ninguém. Um programa em que alguém cospe na cara do outro? A Globo fazendo isso? No primeiro mês, corta!

Isso aconteceu em relação à cantora Anitta também. Uma seguidora escreveu na internet que estava indo ao shopping comprar o seu DVD e o da Anitta. Você comentou: “Sem saber muito o que pensar sobre isso”. Foi o suficiente para provocar um carnaval de reações furiosas de fãs da cantora.
Aquilo não era nada, nada. É de uma imbecilidade… não era nem uma brincadeira. Foi absolutamente um pensamento aberto. Por isso você tem que explicar cada vez mais como se estivesse explicando para uma criança de 8 anos. A imprensa maldosa, que eu chamo de “marrom bom- bom”, pega a criançada, o povo sem formação, e explica da forma como eles entenderam como se fosse verdade absoluta. Eu só falei “não sei o que pensar sobre isso”. Só. Ninguém levantou a questão de eu estar elogiando a Anitta. A imprensa marrom bombom se apropria de uma verdade absoluta sobre uma coisa e as pessoas acreditam. É falta de senso crítico. Hoje a idiotização está exposta graças a internet. A internet fez com que as pessoas se mostrassem idiotas.

Comparando a outros protagonistas de novelas globais, seu sucesso vem relativamente tarde para a sua idade, mas rápido na trajetória, afinal você tem mais CDs do que novelas no currículo. Já conseguiu pensar no que está acontecendo? Teve algum receio ao assumir o papel do Comendador?
Eu não tive nenhum medo de ser protagonista. O meu medo foi do personagem. Eu teria na TV, no teatro, em qualquer lugar. É um medo de artista. Eu me preparei a vida inteira pra isso. Claro, há um receio de querer fazer o melhor. Eu sempre quero fazer o melhor. A minha vaidade está aí. Falam de vaidade pensando no cabelo, em ser magro etc. Sou vaidoso, mas em outro lugar. Eu quero fazer bem. Se eu estou fazendo bichinho de bexiga no shopping, tem que ser o melhor bichinho de bexiga, o melhor Banana de Pijamas. E eu estou famoso e estou fazendo sucesso. Mas não sou famoso nem sou um sucesso. Isso vai passar.

A novela ainda está na primeira metade, mas já dá para sentir a reação das pessoas?
É uma porrada. Eu nunca vivi nada parecido. É assustador, uma cacetada. As pessoas só me chamam de Comendador. Até meus amigos me chamam de Comendador. Na rua é assustador, uma loucura.

Isso é positivo?
Positivaço. A resposta é 100% positiva na rua. O assédio é muito louco.

Imagino que há muitas propostas comerciais também. Como você seleciona cada uma?
Acho que eles é que selecionam pela maneira de eu ser. As pessoas não vão me chamar para fazer comercial de margarina, com família e mamãe. Todo mundo olha pra minha cara e sabe quem eu sou. Seria a mesma coisa que chamar a Sandy para fazer comercial de cerveja. Como já fizeram. O cara que fez isso é muito ruim, né? Puta ideia tosca [risos]. Eu tenho o meu mercado, que não é o da margarina da família brasileira. Só se for a margarina Último Tango em Paris [gargalhada]

Você se distancia da figura do bom-moço. Mas o que é o bom-moço e qual é a personalidade que você vende?
Se você entrar na minha rede social, eu falo sobre boceta e pinto. Eu coloco cu. O bom-moço coloca “c*”. Eu não falo pepeca, eu falo boceta. No Amor & Sexo eu não admitia que falassem pepeca. Ali era uma persona, claro, eu exagerava. Mas realmente eu ficava ofendido de não poder falar pau e boceta num programa de sexo à 1h da manhã. E a direção do programa adorava que eu ficava irritado. Isso que eu digo do bom- -moço, o da família tradicional. Eu não sou casado, eu não tenho filhos, não tenho meus pais, minha família são as minhas irmãs. Adoro beber e falo que adoro beber. Enfim, essas coisas que às vezes as pessoas tentam esconder.

Mas não podemos confundir isso com um mau caráter.
Isso. Não sou um bom-moço de marketing. Eu conheço muita gente da pá virada, que é um capeta dos infernos, mas você jura que é um bom- -moço. Um homem de família, um menino bom, um garoto muito legal… E às vezes é mau caráter e filho da puta, mas é um bom-moço. Eu sou um cara de bom caráter, mas não sou bom-moço. Eu não acredito no bom-moço. Não que eu não possa fazer um personagem bom-moço. Assim como um bom-moço pode fazer um psicopata maluco e doente.

E é fácil rotular os atores, não?
Sem dúvida. Eu cheguei na TV fazendo um bebezinho. Aí me chamaram para outro bom-moço. E cheguei a ouvir que não conseguiria fazer vilão. Eu ouvi isso! E aí o terceiro personagem foi um vilão. Fiz o Gilmar [da novela Escrito nas Estrelas], que para mim foi o grande personagem antes do Comendador. Foi um personagem maravilhoso, que matava, batia. E agora todo mundo fala que só sei fazer vilão! As coisas se inverteram. Então, agora tenho que fazer um bom-moço para provar de novo que sei fazer bom-moço. A memória das pessoas é curta. Além de curta, subestimam o trabalho do ator.

Você se acha seguro?
Não, não me acho. E cada dia eu descubro que os principais artistas que me interessam são inseguros pra caralho. Isso me deixa mais seguro. Eu quase começo a compreender que, pra mim, grandes artistas têm que ser inseguros. Porque se você for seguro, cara, pra mim você parou no tempo. Seguro do quê? Você acha que o que faz é bom pra caralho? Você tá maluco!

A mesma coisa acontece com a sua música?
Eu me sinto muito mais seguro na música. Eu acho uma profissão muito mais fácil. Atuar é uma profissão… eu acho a profissão mais difícil do mundo. Não sei definir, não sei o que é, não sei se um dia serei um bom ator, não sei quem é um bom ator. É muito louco. Atuar é uma coisa bizarra. A música está ligada a uma coisa muito mais sólida, matemática, ritmo, acorde. Música existe! Atuação é o quê? Não sei. Fingir que é outra pessoa. Não saberia explicar de forma racional. Claro, existem técnicas, leituras etc. Tem caminhos e lugares sólidos. Mas existe um lugar que é muito louco.

Você disse que foi ser músico para pegar mulher. Aí resolveu ser ator para quê?
Fui ser ator para melhorar como músico e comer mais mulher [risos]. No teatro se come pouca mulher. Não tem nem comparação. Músico come muito mais mulher do que ator.

Mesmo? Não é possível.
Você tá louco? Infinitamente. Não tem nem comparação. Músico de boteco chama muito mais a atenção de mulher do que ator da Globo. Não tem a menor comparação. As mulheres ficam loucas com música. É claro que eu falei isso hiperbolicamente, “pra comer mulher”. É uma brincadeira. Mas quem não teve a mãe pra levar e aprender música, quem foi sozinho queria pegar mulher, não tenha dúvida.

Então, como entra a atuação na sua trajetória, já que estava consolidado como músico?
Eu não queria ser ator, eu me tornei. É verdade que eu queria melhorar como músico. Queria entender um pouco de teatro pra fazer show e me posicionar no palco. Quando você é um cantor, um músico, você está atuando. E eu sempre compreendi isso: palco é lugar de ator. Qualquer que seja ele. Um professor é um ator; um cara que dá um workshop está fazendo uma peça de teatro. Aí o que acontece, pinta um teste, você passa. Aí gostam e vão chamando, de forma despretensiosa. Hoje, se alguém me pergunta qual é a minha profissão, digo que sou ator. Porque é o que me sustenta, paga as minhas contas. Parei de me sustentar com a música quando comecei a trabalhar na Globo.

Consegue tempo para compor?
Neste momento, não.

Você toca vários instrumentos de corda. Sempre foi autodidata?
Sim. Eu toco todos os instrumentos mais ou menos. Cavaquinho, bandolim, viola caipira, banjo… Um monte de coisa. Todo lugar a que eu vou eu quero comprar um. Tenho uns 20 instrumentos de corda.

O quanto da sua obra musical foi forjada em Curitiba?
Minha música é absolutamente curitibana. A letra, a ironia, a poética, a sacanagem de Dalton [Trevisan, escritor], a estética de Leminski, o humor ácido. A obra do ator também. Tudo o que eu sei aprendi lá. Se eu sei fazer humor e drama, mesclar, é tudo da escola de Curitiba. Não aprendi nada fora de Curitiba.

Gostaria de voltar pra lá?
Eu quero poder voltar. Toda vez que posso, eu vou. Falo que eu saí de Curitiba, mas Curitiba não saiu de mim. Tanto que forço para não perder o sotaque, porque diz de onde eu sou, quem eu sou. Foi ali que me tornei artista.

E como é, então, viver no Rio de Janeiro hoje?
Rio e Curitiba são completamente diferentes. Curitiba não tem samba, Curitiba não faz calooorrr [evidencia o “r”, com sotaque carioca]. A coisa com que me identifico em Curitiba é o jogo de palavras, o humor ácido, essa “não censura”. Porque lá
o politicamente correto é muito menos policiado do que aqui. Claro que tem. Hoje é uma epidemia. Mas essa coisa em Curitiba é bem mais fácil. As pessoas riem de coisas que aqui no Rio elas ficariam: “Não acredito que ele falou isso”. Elas compreendem
melhor a ironia e a sacanagem.

Mas no Rio tem o hedonismo, a praia…
Foi um grande susto pra mim chegar no Rio e descobrir que o Rio é extremamente moralista. Muito mais moralista que o curitibano que se veste de cachecol, touca e não sei o quê. Eles estão pelados na praia e são moralistas pra caralho. Claro que estou falando de uma maneira geral, mas eu percebo isso, essa coisa da família carioca, tradicional, da aristocracia.

Sua trajetória de vida o ajudou na profissão?
Tem um peso, acredito, perder os pais jovem (o pai e a mãe de Nero morreram de câncer, em um período de três anos), ser criado com as duas irmãs, morar em vários lugares… Eu agradeço pelo que vivi. Jamais seria uma pessoa com essa carga de vida se eu não tivesse me fodido pra caralho. Foram experiências que eu passei e acho do caralho. Vou te dizer um negócio… quando eu terminei um casamento de dez anos [com a atriz Fabíula Nascimento], aquele sofrimento… foi uma porrada. Eu poderia ter feito terapia, poderia ter saído pra balada… Mas eu pensei, como ator, que eu queria ver que buraco é esse. E eu fui. É terrível, é assustador. Talvez a maior dor do universo. Eu fiz como experiência de vida, eu queria experimentar aquilo para me enriquecer como ator.

Você falou de bebida, de sexo. E a relação com as drogas?
As pessoas querem fugir dos assuntos. Eu acho uma pena a gente não poder falar de sexo na TV tranquilamente. Eu acho uma pena não poder falar de discussões religiosas ou drogas. Porque eu sou completamente a favor das drogas. E isso inclui bebida alcoólica ou remédio para dormir. Não vejo a vida sem droga, desde a droga para aliviar a dor até a droga para a alegria, seja o charuto da paz, seja o ópio dos chineses. Nunca na história da humanidade se viveu sem droga. E nunca vai se viver sem droga, seja o que for. Agora a questão de ser proibido ou não, aí é outra parada.

Mas usa algum tipo de droga para criar?
Não consigo fazer nada com droga alguma em relação ao meu trabalho. A droga que eu mais uso é o álcool. Mas se eu tenho que fazer alguma coisa no dia seguinte não bebo.

Você me parece bem pé no chão, vivendo o presente. Mas consegue pensar em algum projeto para o futuro?
Música e teatro. Até livro, proposta de escrever alguma coisa. Poesia, claro. E estou tentando fazer um registro de ser o protagonista das 21h. Esse surto do público, das pessoas, por que esse cara tão comum como eu se torna esse êxtase, de repente todo mundo ama, todo mundo adora, e amanhã ninguém vai lembrar. O que é isso? Estou sempre registrando. Vou ao mercado e estou com a câmera, quero ver a reação das pessoas, como elas chegam, por que elas chegam… Que surto é esse? Por que as
pessoas ficam nesse êxtase?

Também na Música
Alexandre Nero mostra outro lado em DVD gravado em Curitiba

O DVD Revendo Amor com Pouco Uso, Quase na Caixa contém cenas chocantes para quem está acostumado apenas com a imagem do ator Alexandre Nero na pele do Comendador. O ator, músico e cantor não aparece nu, mas recitando poesias (próprias e de outros autores), tocando cavaquinho, violão e viola caipira e cantando 20 músicas, entre elas “Cuecas e Calcinhas”, “Hilário”, e “Não Aprendi a Dizer Adeus” (sim, aquela mesma, sucesso com Leandro e Leonardo). Derivado do último CD lançado por Nero, Vendo Amor em Suas Mais Variadas Formas, Tamanhos e Posições, o filme é um documentário-musical, já que traz as canções (muitas dele mesmo) sendo interpretadas pelo ator e mais sete músicos, além de depoimentos, bastidores e participações especiais (André Abujamra aparece para apreciar a versão de “O Mundo”, música dele). Gravado em uma elegante casa em Curitiba, o DVD aposta na sonoridade circense, com um bonito uso do naipe de metais e do acordeom. Na internet também é possível encontrar outros trabalhos visuais surpreendentes de Nero – até mesmo um clipe em que ele retalha um porco enquanto canta “Carinhoso” (Pixinguinha/ João de Barro).

Fonte:Rolling Stone Brasil

Os 10 maiores álbuns duplos de todos os tempos, segundo os leitores da Rolling Stone EUA

Fonte:Rolling Stone Brasil

Laerte tira a roupa para a Rolling Stone Brasil

Na edição de aniversário da Rolling Stone Brasil, nas bancas a partir da próxima quinta, 14, você encontra uma entrevista exclusiva com a cartunista Laerte – e um ensaio no qual a artista se despe completamente, de maneira física e emocional.

Foi em setembro de 2010, em uma entrevista para a revista Bravo, que Laerte falou pela primeira vez publicamente sobre o então novo hábito de se vestir com roupas e acessórios de mulher, o crossdressing. “É uma necessidade imperiosa de perscrutar e vivenciar os códigos femininos. Há ocidentais que se deleitam em investigar o Oriente. Experimentam comidas exóticas, fazem ioga, visitam a China. Da mesma maneira, por que um homem não pode empreender uma viagem radical pelo planeta insondável das mulheres?”, questionava-se à época.

De lá para cá, o termo crossdressing deixou o vocabulário restrito a comunidades secretas na rede e insiders do mundo gay e invadiu, sem pedir licença, a sala do brasileiro com acesso a jornais, revistas, internet e televisão aberta. De repente, todos queriam saber “o que aconteceu” com Laerte, que deu provavelmente mais entrevistas para falar sobre a tal transformação do que em toda a bem-sucedida carreira de quadrinista – são seis troféus HQ Mix, o Oscar brasileiro dos gibis, e um prêmio Ângelo Agostini de “mestre do quadrinho nacional”.

Racionais MC’s estão na capa da edição de aniversário da Rolling Stone Brasil.

“Eu estava pouco disposta a construir outra blindagem, sabe?”, Laerte conta, já bem acostumada a referir-se a si própria no feminino. “Escolhi não viver a minha homossexualidade por décadas. Não tinha mais como não ser eu.”

Laerte já disse em entrevistas que teve a primeira relação sexual aos 17, com um homem. Vivia ainda com os pais e três irmãos em um ambiente de classe média em Alto de Pinheiros, São Paulo, e, sem coragem de enfrentar tabus, decidiu suprimir o desejo. Casou três vezes e teve três filhos. “Casei… por quê? Por pânico! Não é que eu não tenha prazer ou não tenha tido nenhum tipo de desejo por mulheres. É que eu estava vivendo um estado de negação permanente. E fui bem-sucedida durante muito tempo”, explica.

Quase 40 anos mais tarde, foi um de seus próprios personagens quem convidou Laerte para uma caminhada no lado selvagem da vida. Criado no caderno de informática da Folha de S. Paulo para tratar das desventuras do homem moderno nos primórdios da internet, Hugo Baracchini se tornou um alter ego do autor, até que, certo dia e sem maiores desculpas, resolveu se travestir. Passou batom, depilou as pernas, botou uma peruca e saiu à rua, toda vaporosa, soltando ali o balãozinho talvez mais reprimido na vida por Laerte: “Às vezes, um cara precisa se montar, ué!” Um leitor, também crossdresser, identificou o desejo na tirinha e instigou Laerte a conhecer mais sobre esse universo.

Dias depois, ele já tinha secretamente comprado calcinhas, sandálias de salto alto e vestido. Só faltava a coragem. Era 2004, e o artista atravessava um momento de profundas revisões pessoais e também profissionais. À revelia de muitos fãs, que achavam que Laerte estava pirando ou apelando para o nonsense, ele entrou de cabeça na renovação das tiras diárias, buscando romper com fórmulas, traços e artifícios cômicos em que não estava mais interessado. Até que a morte do filho Diogo em um acidente de carro, aos 22 anos, o fez brecar, mais uma vez, o movimento de transformação. “Nesse momento, pensei em desistir seriamente do que estava fazendo”, conta.

Você lê a íntegra da entrevista com Laerte na edição 86 da Rolling Stone Brasil, nas bancas de São Paulo e Rio de Janeiro a partir do próximo dia 14, e na semana que vem nos demais estados.

Fonte:Rolling Stone Brasil

Mude para versão para dispositivos móveis deste site