Lady Green e André Kaveira . Leia entrevista com os criadores da ‘Dança do Padê’
Ambientalista, atriz, produtora e uma das cantoras queridinhas do treme, Lady Green é o nome artístico de Elida Braz, paraense multitarefas que encabeça parceria com Marlon Branco no selo Jambú Music. A alcunha foi dada por Fernando Gabeira, encantado pela beleza da musa ambientalista. Ao lado do marido tão multifacetado quanto ela, André Kaveira, produtor musical, ambientalista e advogado, a moçoila conversou com a Soma sobre a nova empreitada no selo, que pretende trazer para o sudeste o ritmo do treme em shows com aparelhagens faraônicas.
Leia também: Entrevista com OMULU criador do selo Jambú Music
Há décadas na carreira artística, a dupla trocou de endereço há um ano e está no Rio de Janeiro. A mudança faz parte dos planos de expandir o treme e o tecnobrega para o sul do país. História não falta na vida desses dois. Já tiveram um teatro de performances para lá de ousadas no Belém, o Mystical, destruído num incêndio. Depois, formaram uma banda e rodaram de ônbus até o Rock in Rio 2001. Donos de uma reserva ambiental em plena Amazônia, o casal já rodou o mundo defendendo o meio ambiente. Dentro do ônibus movido a biodiesel, o Curupira Express, são promovidas atividades sobre ecologia e aulas de DJs voltadas à população carente do Pará. Por causa do possante eco, viraram atração na Rio + 20 e no Fórum Social Mundial de Belém, ganharam prêmio de Cidadão do Itaú Cultural e conseguiram apoio governamental para ampliar as atividades sociais. No Projeto Caravana Carbono Neutro, plantaram milhares de árvores e anda foram até Copenhagen na Conferência do Clima, COP 15. Atualmente, o busão participa de eventos interativos entre o público e a natureza, durante passeios no Rio de Janeiro.
Vocês não têm receio de represália por causa da música falando de padê?
André Kaveira . É uma paródia, brincando com isso. Um tema atual, uma coisa q hoje é pop, está no meio das pessoas, galera da cidade grande. Faz parte do cotidiano de gente que curte festa, fashionistas. A gente sabe. Padê também é uma referência aos cultos dedicados a Exu, tem outros significados. Uma parte da imprensa marrom vai querer criticar, dizer que é apologia a algo. Artista é livre para criar e falar sobre o que desejar. A constituição garante liberdade para uma obra autoral. Mas o nosso trabalho não pode ficar restrito a essa música, falamos sobre diversos assuntos. Ao contrário da maioria das aparelhagens, que só fazem canções sobre DJs e o próprio grupo, optamos por diversificar. Mas sempre brincando com a ambiguidade, o duplo sentido, que são figuras de linguagem inerentes à música popular.
Outros conteúdos são postos na roda, como ambientalismo, reciclagem e afins, como na música que fizemos sobre a latinha reciclada. Não nos preocupamos com a opinião dos outros para produzir nossa arte. A função dos artistas também é botar na roda assunto que está rolando. É uma brincadeira.
Marlon Branco & Lady Green por Divulgação
Como foi a produção do clipe?
Lady Green . Fomos atrás de uma linguagem mais caprichada, tudo muito colorido, com referências às festas moderninhas. Clima de festa, todo mundo muito loco, se divertindo. As plataformas utilizadas por Marlon Branco e Lady foram encomendadas de Noritaka Tatehana, o estilista dos sapatos da Lady Gaga. Sempre apostamos no visual caprichado. Para você ter ideia, fui a primeira a utilizar LED nas roupas, no tempo que eu ainda era DJ Sainha. O primeiro maiô era costurado lâmpada por lâmpada. Já levei até choque no peito por causa dessas pirotecnias, não é fácil! (risos). O público merece um show de verdade!
Quais são os planos para o futuro?
Lady e Kaveira . Planejamos lançar uma série de clipes. Um dos planos é construir um barco em formato de nave, cheio de LEds e efeitos, para gravar um clipe percorrendo os rios amazônicos. Além do clipe da “Dança do Padê”, finalizamos o “Chicotada do Búfalo”, outro que estamos passando em primeira mão para a Soma. Queremos também levar à população ribeirinha o gostinho da pirotecnia das grandes aparelhagens, será encantador! Devemos fazer uma apresentação na Feira de São Cristóvão, falta fechar as datas. O disco sai do forno daqui 15 dias. A capa será de papel reciclado, com sementes de árvores de presente. A cada 100 mil views dos clipes no You Tube, plantaremos 10 arvores na Amazônia, tudo será certificado.
Fonte:SOMA
VICTIM! lança novo álbum, ouça, leia entrevista e faixa a faixa
Nesta segunda-feira (8), Cadu Tenório liberou Lacuna, o terceiro álbum de seu projet (já nem tão solo) VICTIM!. Mais “musical”, mas tratando de temas também delicados – dessa vez os traumas de infância foram deixados de lado -, o disco “preenche um espaço deixado pelos outros” e trata de modo mais evolutivo aspectos do dia a dia, como o isolamento, a depressão e a tristeza, todos causados “pela vida contemporânea”.
A Soma trocou uma ideia com Cadu para saber qual é a do novo álbum, o porquê de trabalhar com temas mais contemporâneos, letras em português e como entrou de cabeça nos ruídos de Lacuna com uma faixa a faixa. Leia abaixo.
Baixe Lacuna no site da Sinewave
Esse disco soa mais “musical” e “maduro” que os outros dois. Por que isso aconteceu?
Os motivos eu não sei dizer ao certo, na realidade. Acho que sempre comentei com você e com outros que perguntavam que a minha intenção com meus projetos era fazer música, mesmo que por meios não tão convencionais. Com o VICTIM!, em Sexually Reactive Child, eu aboli as melodias quase que por completo, foi um disco focado em textura, pulsação, ritmo, com algumas faixas como “Trauma#7” e “Trauma #8” que têm sintetizadores que trabalhavam de forma mais melódica, com mais em foco em certos trechos. O segundo trabalho foi mais voltado pra captação de contato e os timbres que conseguia organizar a partir disso, em loops e tudo mais, e também das gravações de campo das utilizações variadas que faço da fita k-7. Tinham momentos em que a melodia vinha bem na frente, como é o caso da “I Know You`re Not Listening”. Mas no geral nesse trabalho eu também não primei por elementos melodiosos em destaque nas faixas. Foi um disco mais explosivo, você nota bem que a pulsação muda, não tem loops que sustentem por muito tempo como no anterior. Foram trabalhados “espasmos”, era um disco inquieto mais ainda focado em ritmo.
Falei isso tudo pra poder chegar a explicação sobre essa ideia de ser um disco mais músical. O investimento na parte rítmica continua, a diferença é que dessa vez eu quis trabalhar com um elemento melódico, que foi fortemente influenciado pelas letras. É um trabalho mais intimista e melancólico. Na realidade a maior parte das faixas surgiu a partir de um tema de piano inspirado nas letras. E pensei em investir mais – do que nos discos anteriores – nos feedbacks controlados, servindo como arranjo para isso, tendo ainda o auxílio dos loops e gravações de campo em fita k-7, que foram exaustivamente gravados durante o processo nas idas e vindas do trabalho e na vizinhança da casa dos meninos (Ricardo e Emygdio) onde morei na sala, durante quatro meses. E nas experiências que fazia captando coisas quando a casa estava vazia, tentei captar até som do descongelamento de uma garrafa… Enfim, acho que é isso, a construção do disco por cima de um elemento melódico com base no teor das letras, deve ter dado essa percepção.
Você falou das letras, e nos outros álbuns elas apareciam em inglês. Por que usá-las em portugues agora?
Eu sempre tive um pouco de vergonha de letras em português, ainda mais pra trabalhar com o VICTIM!. Nos trabalhos anteriores a temática pesada das letras ficava melhor colocada dentro do contexto – ao meu ver – em frases curtas em inglês, onde eu pudesse improvisar uma coisa ou outra. Nesse trabalho, em que eu meio que retrato o presente, utilizei do isolamento para falar do isolamento voluntário ou não. Eu comecei a achar certas coisas que andava escrevendo interessantes, então comecei a trabalhar nisso, as letras tiveram um papel muito importante na concepção dos climas do disco. Foram um desafio que gostei de ter comigo mesmo. Inclusive algumas funcionam como spoken words, praticamente sem efeito algum. Elas foram lapidadas ao máximo, para que se resumissem em poucas frases.
Você comentou também sobre o primeiro e o segundo disco, o modo que eles foram gravados e produzidos. Sinto que nesse os traumas estão mais diluídos e menos evidentes. Por quê?
Porque é outro trabalho. Os traumas – meus somado aos de outros – serviram como combustível no primeiro disco, na idéia inicial. A temática do projeto pode não ser felicidade e alegria no VICTIM! mas trauma não é necessariamente o combustível eterno desse trabalho. Utilizo dele pra falar sobre visão de mundo também. O segundo disco falava sobre fins inesperados, cortes bruscos. Esse Lacuna acho que já venceu muita coisa, fala sobre espaços e vazios. Mas acho que no fundo eu sempre fale sobre isso, desde o primeiro disco. Até com meus outros projetos. Longe de mim me comparar ao Kafka mas usando apenas como exemplo – muitos outros artistas que gosto também fazem isso -, todos os livros que li dele, na minha interpretação falam sobre o mesmo tema. A diferença é que nesse as coisas estão pesando menos. O termo maturidade que você usou faz sentido.
O nome do álbum, Lacuna, tem relação com um vazio que esse disco acaba preenchendo no meio de uma “trilogia”? Que é essa questão de abordar temas mais “leves” e ser mais musical ou estou viajando?
Eu não considero os temas leves. O vazio e a solidão são muito pesados. Acho que ele fala mais sobre o vazio que os outros deixaram. Mas de certa forma retrata uma visão pessimista corajosa, não fala mais sobre o viés da infância, mas sobre a idade adulta e sobre os espaços vagos da modernidade, o vão que existe entre as pessoas. O isolamento. Isso tudo contribui para que o disco seja mais lírico.
Voltando na parte do som, em alguns momentos cheguei a notar um pouco de Sobre a Máquina… O que não tinha notado tanto nos outros….
Na época que saiu o disco do Sobre a Máquina alguns disseram ter notado muita influência do VICTIM!. Minha pesquisa com som é uma só, a diferença é que no Sobre a Máquina ela encontra outras pessoas e com o VICTIM! eu tenho liberdade pra usar coisas que não fazem muito sentido serem usadas com o Sobre a Máquina e vice-versa. Esse disco nasceu junto a conclusão dos trabalhos do último disco do Sobre a Máquina onde eu não quis trabalhar com melodias – tirando alguns momentos no disco, que são minoria – nem piano, mesmo elétrico. São projetos meus e com certeza vão ter alguma relação. Acho saudável, porque julgo que apontam direcionamentos diferentes, embora utilizem parte do aprendizado e pesquisa, um do outro.
Sobre o estudo da música, o que você estuda?
Eu pesquiso e estudo possibilidades do som a partir dos testes que faço aqui com o equipamento que adquiri ao longo dos anos. Fora isso, leio e escuto muito. Formalmente andei estudando um pouco de piano. Pretendo me dedicar mais ao piano num futuro próximo.
E quais as suas influências?
A resposta pra essa acaba sempre muito extensa, no geral não são apenas influências musicais. Vou me resumir apenas nelas pra ficar algo mais objetivo. Minha pesquisa em torno do industrial desde sua origem me levou à muitos lugares, tanto a sonoridade quanto o ethos da coisa me interessaram em termos de pesquisa, assim como os desdobramentos e subdivisões que surgiram daí e as ligações com a música de improviso, o jazz e a música contemporânea, como o noise. Enfim, isso tudo veio no mesmo pacote, foi algo forte, e que também me aproximou da música eletrônica. No mais ando sempre atento. E não só ao novo. Nos últimos tempos, por exemplo, também surgiu certo interesse pelos climas alcançados na sonoridade de algumas bandas de metal extremo, black metal no caso.
Na ideia do trauma ainda e de referências, há um pouco disso no noise, essa ideia de exorcizar demônios nesse “gênero musical”. O que te inspirou musicalmente para fazer isso?
Então, acho que nessa pergunta vem aquela estigmatização de que o VICTIM! é um projeto que lida apenas com traumas. Acho engraçado, gostei da pergunta, e vou aproveitar pra tentar explicar: não é só isso, é um projeto que utiliza muito da catarse, de fato, outros caras fazem isso muito bem nessa seara “noise” como você disse, o próprio Dominick Fernow (Prurient), o Marco Corbelli (Atrax Morgue) também faziam, vários outros. Mas dentro disso também existe a visão de mundo, experiências pessoais, tanto do passado quanto do presente. É variado, não se resume apenas em traumas, traumas de infância, apenas o primeiro disco pegou isso como ponto principal, não é uma marca nem um mote do projeto, embora a infância seja algo recorrente nas nossas vidas, de fato.
Mas o engraçado é como a linguagem do projeto gera certas reações no público médio, uma vez citei numa entrevista, onde pediram pra resumir o porquê dos meus diferentes projetos e dizer o que cada um “faz”. Citei rapidamente que o VICTIM! seria uma espécie de “devaneio catártico”. Se você pegar um dicionário ou jogar no Google mesmo, em algum dicionário virtual desses, vai ver que devaneio pode ter mais de um significado, pode significar 1 – ausência de razão, mas também 2 – Estado de espírito de quem se deixa levar por lembranças, sonhos e imagens. O jornalista, pelo que escreveu, provavelmente assumiu a primeira opção, e muitos fazem isso porque é mais fácil, imagina se ele vai tentar entender aquela suposta “barulheira” toda, tentar procurar algo ali. Claro que não, é compreensível que ele tem muito o que fazer, muitas outras coisas pra escutar que serão muito mais agradáveis a curto prazo . Questão de prioridades, tempo. Mas quando falei em devaneio me referia a isso: se deixar levar por lembranças, sonhos e imagens.
Faixa a Faixa
“Superfície”
Gosto das variações no tema de piano dessa música, ele fica lá costurando a hostilidade dos feedbacks e microfonias controladas que o seguem. De início a quantidade de informação pode atordoar, mas logo você se encontra no olho do furacão. A letra fala sobre os limites que nós mesmos criamos, sobre como eles nos cercam e nos sufocam, e sobre a superficialidade à qual somos impostos no dia-a-dia.
“Círculos”
“Círculos” foi feita com vários atos, bastante coisa foi utilizada nessa faixa, a cacofonia de diálogos gravados no horário de pico de alguns restaurantes do centro da cidade, os trechos de som audível das passagens subterrâneas da linha 2 do metrô – pra quem não conhece, uma grande parte do trajeto dessa linha é na superfície.
Foram alguns dias coletando esses sons com um gravador de fita cassete tanto na ida quanto na volta do trabalho. Trechos do resultado da gravação dividem os momentos de feedback e os loops construídos de forma ritmica, como motores dentro da peça. Eles funcionam ora com espasmos e ora como base, gosto do controle do pitch nos feedbacks e microfonias. O tema/refrão e os cortes, bruscos e milimétricos fazem a faixa funcionar como eu gostaria. É uma faixa pra se deixar levar. Como disse antes, existe mesmo muita coisa nela que você provavelmente só irá atentar com diferentes audições.
“Lacuna”
Embora independente, considero a continuação direta/desfecho de “Círculos”. A introdução está bem ligada. Nela nós ouvimos o que falam as pessoas dentro dos transportes – nessa foram gravados alguns trechos no ônibus, fora o metrô – e os sons que o trem faz ao sair do subterrâneo. Nisso entra a parte lírica, o tema distorcido de piano. A letra fala sobre os espaços vagos, inspirada em lembranças de tempos em que não nos questionávamos tanto. Os feedbacks e microfonias extraídos funcionam de forma quase “sinfônica” no contexto da música. É uma faixa triste.
“31”
“31” começa com o tema tranquilo meio que “flutuando” em uma ambiência profunda que cresce gradativamente. Acho engraçado como nela coexistem a tranquilidade e agressividade na forma como convivem o piano impassível e os feedbacks. A letra, uma das duas únicas que não são em português – a outra é a anterior, “Lacuna” – , é uma espécie de diálogo no qual uma das vozes, fala sobre a dificuldade de compreensão de algo que parece ser simplório, enquanto a outra, sem querer, o incita a procurar a resposta.
“Farto”
“Farto” é uma das faixas que mais gostei de produzir, é a primeira em que o vocal está praticamente sem nenhum efeito, o spoken word é compreensível sem esforço do começo ao fim. Com ela explorei todos os microfones que tinha disponíveis. Na faixa existem sons extraídos de água, de diferentes formas, desde gotas em superfícies variadas até o descongelamento captado com um microfone de contato. Experiências com reverb natural, copos e taças. Somado a isso temos rangidos de portas velhas e de móveis sendo arrastados. Lembro que levei um fim de semana inteiro pra extrair os timbres que queria no apartamento do Emygdio, num fim de semana em que ele e o Ricardo não estavam em casa.
“Afeto”
“Afeto” é agressiva. É uma faixa que tem algo de épico, no piano e na forma como a voz desesperada é encaixada. A letra de certa forma fala sobre como as relações afetivas podem ser agressivas. A música tem as microfonias controladas mais ferozes do disco. No fim também é uma faixa triste, porém romantica, de autoconhecimento.
“Vácuo”
“Vácuo” continua a idéia passada por “Afeto” na letra, mas por um outro ângulo. Sonoramente ela é baseada num tema de piano que me remete a infância. Diferente de todas as faixas anteriores, ela tem algo de inocente, tanto na melodia quanto nos ruídos que funcionam como textura. É uma faixa “silenciosa”, lapidada com delicadeza. A voz é compreensível apesar de afetada pelo vento e por feedbacks sutis. Gosto muito de como o diálogo entre os loops de fita cassete desgastada e os decaptação de contato influencia a atmosfera da música.
“Fundo”
O processo de concepção foi similar ao de “Farto”, porém focada apenas em minúcias, o silêncio é muito explorado junto às reverberações. Está tudo interagindo ali, a vibração de superfícies pelos graves, o som de fita cassete, pequenos rangidos e a água. Foi uma construção minuciosa e sutil de cortes.
Fonte:SOMA


