Flow MC lança a mixtape ‘SensaFLOWnal’, leia entrevista
A carreira do Flow MC começou lá pelo meio dos anos 00, ao lado de trutas como Jay P, Marcello Gugu e Hadee (do Som Sujo). Conhecido por ser um dos fundadores da Batalha do Santa Cruz, que há quase sete anos rola religiosamente todo sábado a partir das 20h na estação de metrô Santa Cruz, na zona sul de São Paulo, Flow ganhou os holofotes definitivamente em 2011, com a mixtape Vileiro, que com sons como “Cilada” e “Quartinho Obscuro” (que ganhou clipe comparticipação de Emicida e Flora Matos) conquistou uma posição na lista de discos nacionais do ano da Soma.
2012 foi um ano de muitos corres para o vilão do Ipiranga, que lançou clipes, fez incontáveis shows e produziu sua segunda mixtape solo, SensaFLOWnal. Gravado ao lado de Léo Cunha no Casa 1, o disco inclui participações de nomes como Emicida, Rashid, Bitrinho e Gugu nas rimas e Sala 70, Laudz, DJ Caíque e Pifo Beats (além de KL Jay riscando um Racionais em “Muleke Problema”), entre outros feras.
Novo candidato à lista de melhores de 2012, SensaFLOWnal já está circulando nas rodas de batalha e shows por aí e também pode ser baixado aqui. Nós trocamos uma ideia por e-mail com o Flow pra saber como foi o trampo de criar uma nova mix.
A mix Vileiro foi um trampo gestado com tempo, tinha sons bem antigos inclusive. Foi a mais correria fazer a SensaFLOWnal ou você já tinha bastante coisa na manga?
Escrevi a faixa “Sonhos” em 2006, mas nunca havia gravado nem uma voz-guia, pra você ter noção. A minha parte de “Escolhas”, que tem o Emicida, também é bem antiga. Tenho um estoque legal de sons guardados, sempre aguardando o melhor momento, mas a maioria das faixas foram escritas no período de gravação.
Você chamou bem mais gente pra rimar do seu lado nessa mix. Como foi juntar essa galera toda? Faltou alguém que você queria ter participando?
Como essa mixtape tem um numero maior de sons, aumentei as participações também. Nada tão diferente da Vileiro, simplesmente chamei meus amigos pra fazer rap. Claro, confesso, tenho a sorte de conhecer esses monstrinhos de longa data. O que conheço há menos tempo é o Shaw, mas desde que nos falamos pela primeira vez rolou uma identificação monstra, de ambas as partes. Tanto que dá pra notar, é uma das faixas preferidas da rapaziada. Agradeço a todos que participaram.
Na época da Vileiro você me contou que os beatmakers te mandavam bases que achavam que tinham a ver contigo e que outros MCs não curtiam tanto – lances mais dirty south, bass. Como funcionou isso no SensaFLOWnal? Você chegou a “encomendar” beats?
Geralmente rola aquela fita: “Negão, escuta ai que esse beat é sua cara!” (risos). Sou grato a todos os beatmakers que participaram, é lindo ver o nível que o Brasil está no quesito beat.
Como foi trabalhar com o Léo Cunha no Casa 1? Foi importante poder contar com um estúdio profissional para gravar a mix?
Já estou acostumado a trabalhar com o Léo. A mixtape Mesclando Rimas, de 2006, foi gravada inteira no Casa 1, algumas faixas da Vileiro também. Sempre foi foda gravar no Casa 1, afinidade demais, deixo o Léo opinar, o Léo deixa eu opinar. É da hora que um é fã do trampo do outro. Foi sim importantíssimo ter acesso ao estúdio, o resultado me animou demais. “Qualidade” é a palavra pra definir .
Você fez uns clipes classe na mix anterior – e nesse disco, que sons vão virar clipe?
Ô, mas é claro que vai ter clipe, já estamos trampando para que isso aconteça. Mas ainda é segredo (risos).
Fonte:SOMA
The Eternals vem ao Brasil pela quinta vez, leia entrevista
Se você já viu um show do Eternals a gente não precisaria insistir muito para você assistir mais um show deles nesta quinta passagem do grupo pelo Brasil – sim, eles adoram o nosso país. Mas se você por acaso marcou muita touca nos últimos anos e perdeu todas as oportunidades de ver o trio de Chicago, vai aqui uma letra importante: vá. Sem desculpa, sem caô.
O grupo toca nesta quinta (29) no SESC Pompeia, em São Paulo – e depois emenda para botar um som no aniversário do Neu Club, às 23h. Aliás, quem chegar na casa noturna com o canhoto do ingresso do show no SESC entra de graça. Na sexta (30) o show é na Audio Rebel, no Rio, e no sábado (1º) é a vez da banda tocar em Niterói, dentro do festival Araribóia Rock.
Aproveitando esta nova turnê brasileira, a Soma mandou algumas perguntas por e-mail para Damon Locks (guitarra e vocais) e Wayne Montana (baixo), fundadores do grupo, falando sobre o último álbum da banda, sobre a suíte criada por Wayne no Brasil e escrita ao lado de Jason Adasiewicz e sobre o novo baterista, Areif-Sless Kitain.
Vocês contaram com um grande número de bateristas diferentes durante a carreira do Eternals. É bom para a música de vocês ter tantas mudanças na parte rítmica do grupo? Isso revigora a música?
Damon . Eu não diria que isso revigora a música, eu diria que nos faz ficarmos sempre espertos. O Eternals está sempre se transformando musicalmente, então não é estranho para nós vermos nossos colaboradores mudarem. Assim como a mudança de bateristas mudou o som do Eternals, a banda seguiu consistente em sua estranha inconsistência.
Wayne . Nós tivemos muitos bateristas diferentes no grupo, e por sorte todos foram ótimos. Ser o baixista e ter que me adaptar a diferentes estilos de bateria é sempre um desafio. Bons músicos sempre sentem a música da sua própria maneira, então demora um pouco para encaixar o groove com pessoas diferentes. Muito da nossa música é baseada no ritmo, então é bom estarmos em sintonia e com o feeling certo. Eu amo o espaço que obtemos nas canções apenas com bateria, baixo e voz. Isso permite que todas os três elementos tenham seu próprio espaço. Sendo um fã de reggae de longa data, para mim parece legal termos sons que são quase como dubs/ versões de canções, mesmo que essas canções tenham outra vida. Parte da nossa música é o contrário de como as coisas são feitas no reggae. No reggae eles começam com a música completa: piano, guitarra, órgão, percussão, vocais, bateria, baixo, e eles retiram o piano, a guitarra e o órgão quando fazem um dub / versão do som. Nós às vezes escrevemos uma música como se ela já fosse um dub.
Seu último disco, Approaching the Energy Field, se baseou muito em samples, especialmente nos loops de bateria. Vocês tentaram estabelecer uma conexão com outros gêneros baseados em samples – como o hip hop e a música eletrônica – no álbum ou tentaram recriar suas próprias estratégias? E como foi migrar o repertório do disco para um novo baterista, como se saiu o Arief?
Damon . Nosso baterista Tim Mulvenna deixou a banda durante a gravação desse disco, então nós tivemos que terminar o disco com os recursos que tínhamos. Eu e Wayne arregaçamos as mangas e começamos a trabalhar. Logo antes de Tim sair, Wayne e eu tínhamos concordado em tocar em uma loja de discos local chamada Recless como um duo. Então escrevemos 7 músicas em um período bem curto de tempo e tocamos elas ao vivo. A resposta foi tão boa que tivemos que gravar essas músicas novas, e boa parte delas foi parar no álbum.
Nós não pensamos muito em gêneros quando estamos trabalhando. Se o hip hop, dancehall ou outros tipos de música eletrônica são uma influência no processo, nós absorvemos elas e criamos algo diferente.
O Arief não teve muito trabalho aprendendo os sons. Nós nos divertimos incorporando as partes dele onde fossem necessárias. Ele é um grande músico, então acertou em cheio.
Wayne . Eu não diria que tentamos estabalecer relações com nenhum tipo de gênero. As músicas que foram criadas a partir de bateria eletrônica ou samples foram escritas como entidades únicas em si mesmas. Nós sempre usamos samples e baterias eletrônicas e loops como um ponto de partida para compormos. O que foi novo para mim e Damon desta vez foi que, no processo de composição de Approaching the Energy Field foi a primeira vez que operamos apenas como um duo.
No passado nós usávamos samples com a ideia de deixar um espaço para a bateria e outros instrumentos. Desta vez nós decidimos criar algumas das faixas do disco completemente com samples e bateria eletrônica como a base rítmica e adicionamos sintetizadores, baixo, vocais, percussão e guitarra para encorpar o som. Damon e eu achamos muito revigorante trabalhar dessa maneira. Trabalhamos juntos há tanto tempo que temos um profundo conhecimento do espaço que a outra pessoa vai ocupar. Nós quase sempre concordamos sobre o que uma música precisa ou não.
Recentemente vocês juntaram um grupo grande para trabalhar com vocês em The Eternal Espiritu Zombi Suite. Como foi trabalhar com tanta gente? Qual é a diferença entre essa obra e o que vocês fazem como um trio? Existe a possibilidade de ouvirmos essa obra no Brasil em breve?
Wayne . É o meu sonho tocar a Espiritu Zombi Suite no Brasil! A música começou no Brasil. Eu tive a ideia da Suite depois de ouvir algumas pessoas passando na rua em São Paulo falando “espiritu zombi” e perguntei ao Guilherme do Hurtmold o que a expressão significava – ele só riu e disse, “não sei, isso é louco”. Eu segui pensando nisso e imaginei a música e o conceito da suíte com essa frase na minha cabeça – eu fiquei cantando e gravando algumas melodias no celular da minha namorada na praia, em Picinguaba. Quando voltamos a Chicago eu passei quatro meses tentando descobrir o que eu tinha cantado no celular e arranjando a maior parte da música no computador.
Adicionei linhas de baixo, acordes e melodias de vibrafone, algumas ideias vocais básicas e a estrutura dos acordes. Depois eu passei um tempo com o grupo, mostrando para eles a música e trabalhando as partes, dando liberdade para que os músicos pudessem fazer o que funcionasse melhor. Eu trabalhei muito com Jason Adasiewicz (vibrafone) nos arranjos e em como os metais funcionariam na música. Jason fez um trabalho fantástico nos arranjos dos metais, é maravilhoso trabalhar com ele. Enquanto isso acontecia, Damon estava trabalhando nas letras e nas melodias vocais, tanto nos solos quanto nas harmonias de background. Depois do núcleo principal da banda (baixo, guitarra, bateria e vibrafone), começamos a convocar o pessoal dos sopros e as cantoras. Todo mundo realmente colocou muito esforço para fazer a música ficar tão boa. Para mim a Espiritu Zombie Suite foi concebida no Brasil e nascida em Chicago, e deveria ser tocada no Brasil o mais breve possível.
Damon . Esperamos levar o Espiritu Zombi Group ao Brasil. Esse seria o lugar natural para tocarmos a suíte, uma vez que as origens estão aí. Trabalhar com um grupo grande foi uma diversão. Foi uma experiência totalmente diferente. Eu tive que trabalhar intensamente com as vocalistas, com ensaios separados só para elas. Jason Adasiewicz fez um trabalho incrível não só nas partes dele, mas nos arranjos dos sopros, que levou as músicas a territórios inesperados. O núcleo – Wayne, Areif, Matt, Jason e eu – trabalhou incansavelmente para criar essas canções. A seção de sopros e as cantoras são maravilhosas e fizeram escolhas musicais incríveis que trouxeram uma nova dimensão às faixas.
Esta é a quinta vez de vocês no Brasil. O que faz vocês virem tanto para cá? Existe algum lugar no país que vocês gostariam de ter visitado mas que ainda não tiveram a oportunidade?
Wayne . Eu sinto que as pessoas no Brasil curtem demais o som do Eternals. Acho que funciona do jeito certo, então quando tocamos aí a energia que recebemos de volta é fantástica. Eu adoraria tocar em Recife e Salvador um dia. A principal razão de voltarmos tanto é que o Fred e a Angela, da Norópolis / Submarine Records, realmente cuidam da gente e têm muita fé na banda.
Damon . Nós temos um nível insano de amor pelo Brasil. Toda viagem para o país me faz mais feliz que a anterior. Eu me sinto sortudo de estar ali e ter conseguido passar por mais lugares que eu esperaria no Brasil, então sempre estou feliz em qualquer cidade que eu esteja, seja Belo Horizonte, Brasília ou Taubaté.
The Eternals no Brasil
São Paulo
The Eternals e Bodes & Elefantes
Onde . SESC Pompeia – Rua Clélia, 93 – Pompeia – São Paulo – SP
Quando . 29/11 às 21h30
Quanto . R a R
Info . sescsp.org.br
The Eternals
Onde . Audio Rebel – Rua Visconde de Silva, 55 – Botafogo – Rio de Janeiro – RJ
Quando . 30 de novembro às 19h
Quanto . R$ 15
Info . audiorebel.com.br
The Eternals – ArariboiaRock
Onde . Teatro Popular de Niterói – Rua Jornalista Rogério Coelho Neto, s/n – Niterói – RJ
Quando . 1 de dezembro
Quanto . Só colar
Info . festival.arariboiarock.com.br
Fonte:SOMA
Leia um faixa a faixa sobre ‘Rap É Compromisso’ com Daniel Ganjaman
Para celebrar o legado de Sabotage, cuja morte completa dez anos nesta quinta-feira (24), a Soma conversou com Daniel Ganjaman, um dos produtores (ao lado de Zegon) de Rap É Compromisso, disco de estreia do rapper do Brooklin paulistano. Além de um papo mais geral sobre como foi o processo de gravação, Ganja nos brindou com comentários faixa a faixa do disco, lembrando e revelando diferentes histórias por trás de um dos álbuns mais importantes do rap nacional.
Leia também: Daniel Ganjaman conta a história da gravação de Rap É Compromisso
“Introdução“
Essa faixa ficou mais pro final das gravações, ela partiu do pessoal do RZO. Eles foram muito importantes na produção desse disco. Na época, a coisa do MPC ou qualquer sample, sequencer, era um negócio muito nova pra gente. O Zegon dominava bastante, eu aprendi a mexer com o Zé e essa galera não tinha acesso a essa parada. O Mano Brown, o Edi Rock, o Cia, começaram a mexer com MPC com o Zé. A introdução foi uma coisa que eu dei pouquíssimas ideias, o Tejo que mexeu mais com isso, quando eu fui ouvir já estava bem encaminhada.
“Rap é Compromisso“
“Rap é Compromisso” é um beat meu e do Zé, mas a harmonia fui eu que fiz, e o loop que permeia o refrão acho que foi o Cia que trouxe. Essa é uma música muito forte, que acabou virando um puta hino, com um refrão muito forte. Nos refrões do disco o Hélião foi muito importante, inclusive nesse.
Esse é um disco que tem refrões muito fortes.
Pois é, e o Sabotage não era muito bom de fazer refrão. Às vezes a gente pegava um trecho da música e transformava num refrão, ou o Hélião chegava e trazia o refrão, ou o Hélião fazia com o Sabotage o refrão. “Um Bom Lugar”, se não me engano, é do Sabotage mesmo.
Interessante, porque a letra é sobre uma coisa e o refrão fala sobre outra
Exatamente, tem muito essa coisa retalhada, que era o jeito deles de fazer.
Esse foi um disco muito colaborativo.
Foi, até pela forma que estruturalmente a gente dispunha. O disco começou a ser produzido na casa do Tejo, numa estruturazinha que ele tinha, até pra poupar grana, porque a gente não podia entrar no estúdio e ficar viajando, então íamos pra casa dele: a banca do RZO toda, o Zé, Tejo, quinhentos milhões de baseados rolando. “Rap é Compromisso” tem uma coisa louca, é uma das faixas que tem a guitarra como parte marcante. Eu lembro que quando peguei a guitarra e fui passar o som, fiz alguma coisa meio rápida e tal [imita um riff], e na hora, o Hélião, Sandrão os caras meio torceram o nariz, “não, não, Ganja, isso aí não cabe aí não. Guitarra não!” (risos). E eu lá, “calma, é guitarra, mas é do bem (risos)”. Isso acabou sendo trabalhado aos poucos e foi legal.
“Um Bom Lugar“
“Um Bom Lugar” foi uma música que eu dei play na batida e o Sabotage saiu cantando. Eu tinha o beat pronto, a gente só deu mexida numa parte B que não tinha e entrou do jeito que eu tinha. Naquela época era o começo da minha relação com o MPC. O Rafael (Crespo) tinha me emprestado e eu passei um mês com ele. Virei noite, nessa semana eu devo ter dormido umas dez horas, porque eu ficava lá com o disquetinho, fazendo beat. Dos beats meus do disco, todos vieram dessa leva, da minha primeira experiência com o MPC. Imagina cara, você dar play numa batida, ele sair cantando e o Hélião junto cantando o refrão, foi um negócio de arrepiar. É claro que você não tem muita noção do tamanho do grau “nasce um clássico”, mas arrepiou. “Um Bom Lugar” foi uma música muito forte no disco, a gente tratou ela com muito carinho porque sabíamos que ela poderia dar algo.
E ela tem a participação do Black Alien…
Isso foi uma coisa que eu e o Zé propusemos. Nós pensamos que ali cabia uma participação, demos um toque no Gustavo e ele achou do caralho. Só que o Sabotage na época não era um cara conhecido, foi meio no risco, até pro próprio Gustavo. Hoje essa rima tem uma representação muito grande, claro que ele ouviu a track e gostou pra caralho e não demorou muito pra convencê-lo, porque todo mundo que escutava achava o Sabota absurdo. Mas é aquela fita de gravar com o Gustavo Black Alien: saímos do estúdio seis horas da manhã, ele ainda rimando as coisas na hora, inventando a letra, escrevendo, improvisando. Mas é incrível, a participação naquela música ficou muito marcante.
“No Brooklin”
Eu não sei quem é essa mina, o nome dela. Ela surgiu, quando eu cheguei isso já estava gravado (risos). Nessa música eu gravei baixo, guitarra e os synths também. O refrão tem um loop que foi o Zé que trouxe.
Aquele synthzinho gangsta do refrão é seu então.
Fui eu que gravei e é a aquela referência Dr. Dre, que o pessoal gostava pra caralho, falavam “tem que gravar um moog ali”. Eu tinha um moog, na verdade eu conheci o Brown por causa disso. Eu fui gravar na YB porque o Brown queria gravar um moog na música do 509-E, eu fui, gravei moog, guitarra. Eu acabei gravando vários moogs em discos de rap por causa disso (risos). É a linguagem né, aquela coisa meio West Coast, aquela coisa meio Snoop Dogg. Mas essa faixa é uma que a produção é bem musical e eu gravei quase todos os instrumentos.
“Cocaína“
Nessa faixa ele fala bastante sobre o tema, chama o Bastardo e o Sombra pra darem suas versões. Você lembra o contexto da música?
Ele chegou com ela pronta. Tinha um paradoxo muito forte relacionado a isso, pelo fato de o Sabotage ser um cara que tinha envolvimento com o tráfico. Quando a gente começou a gravar esse disco, era o momento que ele tinha parado, mas ele teve esse envolvimento forte, todo mundo sabia.
Até aí de boa, o Jay-Z também
O lance é que era o seguinte: o pessoal que ligava ele já tava no rolê de falar pra ele – “cara, você é da música, você tem que sair do bagulho”, mas ele ficava na de “tenho que pagar as contas, tem as crianças” e ficava gravando e trabalhando em coisas que a gente nem tinha muita noção. O Sabotage soube dividir isso muito bem, ele sempre deixou a gente longe da parada, tanto enquanto ele tava vinculado a isso, quanto depois que ele largou, quando a coisa ficou estritamente musical. Ele é um cara que não andava com banca, andava muito sozinho, o que não é comum no meio do rap, pegava condução sozinho. Às vezes o Rica, que era o único de nós que tinha carro, dizia “não, a gente te leva lá, Sabota” e ele “não, não”. Ás vezes a gente deixava ele na Roberto Marinho e ele subia a pé. Era um cara que tinha muito essa preocupação, provavelmente porque ele já sabia que a parada dele, você não sai do crime de uma hora pra outra, e foi o que aconteceu, o crime buscou ele. A gente sofreu muito, foi algo muito pesado, naquela época ele era um dos meus melhores amigos e musicalmente havia uma expectativa foda na parada. Eu entrei em estúdio com ele pra fazer esse disco que eu tô agora produzindo, sem dinheiro, sem nada, mas tínhamos que fazer o outro disco do Sabotage.
Ele chegou com a rima de “Cocaína” e você…
Ele chegou com algumas músicas com bases gringas, em umas fitas k7. Na minha visão essa é uma música que tem um acerto de produção, é uma puta faixa, muito melhor que a versão que eles tinham trazido. Na época a base gringa tava bombando, e aí a gente pensava “porra, tem que chegar no nível nos gringos”, coisa que hoje em dia perdeu completamente o conceito. Primeiro porque tecnicamente a gente já tá com total possibilidade de fazer a coisa bater tanto quanto os gringos. A outra coisa, que eu acho mais importante, é que essa precariedade foi o que ditou a sonoridade do rap nacional por toda a primeira, segunda e terceira geração.
Criou uma linguagem…
Criou uma linguagem. O pessoal da revista Rap Nacional me perguntou numa entrevista o que eu achava que o rap precisava para dar o próximo passo e eu respondi: “nada”. Porra, você quer um próximo passo depois de “O Oitavo Anjo” do 509-E? Que porra de próximo passo é esse? Ouve aquela música, velho. É uma música que só tem beat, baixo e um sample que só entra de vez em quando, e é algo que tem uma força incrível. A rima, o jeito que o Dexter manda. Essa precariedade trouxe esse estilo, essa característica pro rap nacional.
Na Zona Sul
Essa o Zé trouxe o sample…
É interessante porque a localização geográfica, da quebrada, é importante pro hip-hop inteiro, mas esse disco do Sabotage ele parece ter mais forte essa questão geográfica.
Talvez isso tenha um pouco de influência do RZO, porque eles já tinham muito essa coisa de ser a “Rapaziada Zona Oeste”, e cantavam isso pra caralho: “Em Pirituba é assim…”. O Hélião é tutor dessa rapaziada toda. Pra mim o rap nacional tem seus pilares, o Hélião é um, o Brown é outro, o Kamau, cada um com sua característica. Os bordões que o Sabotage criou, nessa música mesmo, “zona sul, zona show”, aquilo é um negócio incrível. Pra quem é da Zona Sul, é que nem um corintiano quando ouve uma música que fala do Corinthians, é uma fita que vai além. E a Zona Sul, se você olhar o mapa da cidade de São Paulo, ela é o corpo, é muito grande e representa culturalmente, é um lugar onde você vê que tem mais saraus, vários grupos de rap, talvez a maioria dos grupos de São Paulo sejam de lá, tem essa relação muito forte. O Sabotage tinha isso, ele cantava de boca cheia sobre a Sul, pulando dentro do estúdio.
Como vocês gravaram ela?
O Zé trouxe o sample e a partir dali a gente foi batendo o beat. Essa voz mais aguda, processada de efeito, é do Hélião. E uma coisa que é muito louca, é que eu insisti muito, porque ele tava gravando isso como uma guia apenas.
A Cultura
Essa música é uma produção bem do Zé Gonzales. Os caras eram muito chegados, acho que tinha essa aproximação, porque o Potencial 3 também é de uma geração do rap paulistano. Acho que o link foi por intermédio do RZO. Eu não lembro exatamente assim, mas o link veio. Essa faixa eu lembro muito pouco como ela foi feita, até porque o Zé trouxe a produção quase pronta. Isso é legal [se referindo ao barulho no fim da faixa]. A gente tinha uma pasta chamada “Rap Nacional”, conforme a gente ia pondo as coisas no disco, pra colocar um elemento, fazíamos uma pesquisa de muitas coisas. Se precisasse ter um tiro, a gente pegava um monte de barulho de tiro pros caras escolherem qual que ia entrar. A gente tinha um banco com vários sons, moto, tiro, pássaro, chuva, explosão [risos].
“Incentivando o Som“
Essa é uma música que é produção do Zé. Ela é dura.
Essa faixa tem uma produção diferente do que era feito no rap nacional da época.
Pode crer, ela tem uma coisa meio “radical demais” pro rap nacional. Nessa época era já começava a entrar Def Jux, com Cannibal Ox, Non Phixion, Necro. O EL-P foi um puta baque pra gente, era muito bom, depois acabou perdendo um pouco a mão. De certa forma era um pouco de influência disso. O Zé era um cara que tinha uma forma muito particular de produzir e as músicas dele tinham uma sonoridade diferente. Essa produção é dele, eu ajudei, toquei muita coisa, mas os beats são dele.
“Respeito é Pra Quem Tem“
Essa foi o DJ Cia que trouxe o loop, eu e o Zé que fizemos o beat, eu gravei o baixo. Ó, essa voz de fundo do Hélião, ele queria que a Negra Li ou o Lakers gravasse, não lembro. Ele não queria deixar a voz dele, e eu: “porra Hélião, isso aí tá demais”. Não tem autotune, não tem nada, é tudo cru.
Essa música chegou pronta, como foi?
O Sabotage tinha uma coisa que era foda. A gente gravava a música uma vez pra mapear: aqui é refrão, aqui é verso… Daí íamos pro “vamos gravar agora valendo”. Só que na hora de gravar certo ele gravava diferente. “Porra, Sabota, não é assim”, e ele “é, era sim”, e a gente falando que não, “então vamos gravar de novo”. E aí ele mandava uma terceira versão (risos). Porque ele tinha umas anotações no caderno que não eram exatamente as letras, era uma parada confusa, então ele se perdia e começava a improvisar e voltava no que tava escrito. Então às vezes ficava meio solto. Ás vezes ele tinha que virar a página do caderno e improvisava. No disco inédito tem muita coisa disso. De improvisação em função de ele ter se perdido em algum ponto. É foda porque tinha momento em ele rimava muito melhor na última versão. No improviso tem muita coisa de onomatopeia, mas com muita gíria, um negócio muito único.
“País da Fome”
Eu gosto muito desse começo.É um sample, foi o Zé que trouxe, eu gravei o baixo. Engraçado que na época eu tocava menos teclado, tocava mais guitarra e baixo.
Não tinha tanta gente pra tocar baixo e guitarra
Nem teclado cara (risos). Essa linguagem ninguém entendia, de pouca nota, em loop. Você chamava um músico e o cara fazia umas paradas diferentonas [faz um barulho de solo com a boca]. Era uma merda.
Você gravou todos os instrumentos inteiros ou gravou as células e loopou?
Fechei muita célula e loopei, mas como linguagem. Eu adoro a produção dessa faixa. O Sabotage foi um pé quente do caralho nesse disco (risos).
É um dos cinco melhores discos do rap nacional.
Também acho. Fazia muito tempo que eu não ouvia [fica em silêncio]. Ó a viagem [muda a base, entra o Sabota rimando]. Eu lembrava muito pouco dessa. Ó, Negro Útil. Ele também foi um que faleceu de um modo triste, numa cagada. Ficou doente, desandou.
Quem fez os scratches do disco?
Foi o Pudim, que era DJ do Sabotage e depois foi pro Trilha Sonora do Gueto e hoje eu não sei onde ele tá. Muita gente dessa época sumiu.
Você lembra de como foi a gravação, essa coisa do “Brooklin, Brooklin”?
Lembro geral, dessa aí eu lembro geral. Nessa parte foram umas três vozes, Negro Útil, Hélião, Sandrão. Acho que uma coisa que trouxe muito a coisa do Brooklin na história toda, é o fato de que é um bairro que tem o mesmo nome de um lugar clássico pro rap. O Hélião é um cara gerenciou muito a parte das vozes, a regência toda foi ele que deu. Ele tinha na cabeça muito o que queria. Hoje eu ouço o disco e acho seco pra caralho, se fosse hoje teria feito de uma forma diferente, acho que esse “Brooklin” deveria ser mais alto, soando diferente. Acho legal a ideia de mixar de novo porque seria algo como é o Catch a Fire do Bob Marley, que tem a versão Jamaica e a versão do Chris Blackwell. O Hélião foi um dos que mais fiquei amigo nesse projeto, tirando o Sabotage. Ele é muito musical, tem uma guitarra tatuada no braço, vem de uma escola de música, já se interessava em música antes de ouvir rap. E é aquela mente insana.
“Cantando pro Santo“
Isso daí era pra ser um reggae na cabeça do Sabotage.
Nessa época não tinha muita coisa de reggae no rap por aqui, né? Tinha aquela demo do Black Alien com o Speed.
Tinha isso, tinha o próprio Planet Hemp que flertava um pouco. O Rio de Janeiro teve isso, lá tinha um passo à frente em relação ao que era feito de mais moderno na época. Aqui em São Paulo tinha a coisa do rap nacional que criou uma identidade muito forte. O rap lá veio de outro lugar, tinha a escola da Lapa, o contexto do Skate.
Aqui em São Paulo veio do b-boy, que vinha do baile black, dali foi pro MH2O, Milton Sales, Sindicato Negro, Racionais, Consciência Black e já era
E era a periferia né? Tanto que você não tinha grupos em São Paulo que inovavam muito, porque era um lance muito fechado. O pessoal não se sentia nem muito à vontade, porque aqui o rap sempre foi levado muito a sério. Aqui era praticamente impossível surgir um Gabriel O Pensador, um cara de classe média-alta que se meteu a fazer rap. Teve uma vez que o Supla apareceu nas gravações. Quando ele chegou na primeira vez eu pensei “putz, o Supla chegando aqui, os caras vão torcer o nariz”. Mas na verdade os caras tavam falando “que louco, o Supla tá aqui”. Lembro o Hélião chegando nele e falando: “irmão, quando você fez aquela música ‘os humanos que circulam por aí’, Deus estava olhando pra você”. E o Supla: “Pô, firmeza” (risos). Esse interlúdio de ‘Cantando Pro Santo’ foi algo que apareceu enquanto viajávamos. O Quincas, que colocou, trouxe um percussionista que tava circulando pela YB e o cara gravou. Aí a gente ouviu e falou “mano, que Olodum é esse aí?” e depois vimos que tinha uma coisa no bolo todo que ficou legal. O Sabotage gravou esse refrão, que gosto muito.
Esse refrão dá uma referência às composições posteriores do Sabotage: “Dama Tereza”, “Cabeça de Nego”…
Foi aí que a gente viu que tinha espaço para experimentação com ele. Mas deixa eu entregar o que é essa música: ele a fez em cima da “Waiting in Vain” do Bob Marley, e ficava cantando o teminha do começo. Eu deixei isso bem pro finalzinho porque a gente tinha medo de dar merda, mas ele cita o Bob Marley. “Huu Deus, Huu Deus, deixe-me poder seguir, oh por favor, Deus”, que é “Huu girl, Huu girl / Is it reasonable I wanna know now”. É lindo isso, é do caralho. O Sabota queria samplear essa faixa, mas não dava, né (risos)?. Até esse tecladinho é um sample de Jackie Mittoo, alguma coisa jamaicana também. Essa faixa é com certeza a mais experimental do disco.
Uma coisa que eu acho que é legal de identificar no Sabotage é que ele tinha essa coisa maluca de criação e tal, sempre foi um cara muito criativo. Ele não foi o primeiro a misturar samba com rap, ele não foi o primeiro a gravar com uma banda de rock, ele não foi o primeiro em misturar rock com qualquer coisa, mas ele talvez tenha sido um dos primeiros MCs do gueto que tinha uma linguagem gangsta, que era o rap que era muito respeitado por todo mundo do crime, que deu essa abertura musical. De ir para outros lugares, experimentar novas O Sabotage deu a autenticidade que tem a forma da rima, de se cantar rap e essencialmente a coisa estava em outro estilo. “Cabeça de Nego”, que saiu numa coletânea, é uma música que eu acho foda. Não dá pra entender. E aquilo só podia ter partido de um MC. Você vê e sabe que aquilo não é um rap, mas que só poderia ter partido de um MC. E acho que a progressão disso onde bate em um Criolo, nas coisas novas da Flora Matos.
Leia também: O legado de Sabotage nas palavras de sete MCs
Fonte:SOMA


