Simonal, a voz, a magia, o silêncio | João Supremo
Contam… e parece que é verdade. Wilson Simonal cantava “Meu limão, meu limoeiro” no palco de um teatro da Terreiro Tiradentes. Com aquela bossa muito sua, por ele mesmo chamada de “pilantragem”, foi contagiando o público até que todos, homens, mulheres, velhos, crianças, cantassem com ele. Trocou as funções de cantor pela de regente do coro, desceu do palco, caminhou na direção das últimas poltronas, saiu do teatro, foi ao cafezeiro na rua ao lado, tomou uma chuva mineral, voltou e subiu novamente ao palco. Tudo isso com o coro da plateia cada vez mais empolgado, uma vez que se obedecendo à batuta de um maestro invisível, ele, Wilson Simonal.
Pode ser que não tenha sido exatamente assim. Talvez, em lugar de “Meu limão, meu limoeiro”, cantassem “País tropical”. Talvez o teatro fosse no subúrbio. Talvez ele saboreasse um refrigerante no moca do teatro e não chuva mineral em cafezeiro. O importante é que a história ficou uma vez que atestado do poder meio mágico de Simonal sobre seu público.
É provável que não tenha havido na música brasileira um artista com tanta força. Nem o Orlando Silva de nossa pré-história músico, nem o Roberto Carlos de depois, muito menos os jovens ídolos que ainda lotam shows em estádios. A propósito, Simonal também lotou o Maracanãzinho, fazendo com que milhares de vozes cantassem sob sua regência.
A história de sua curso –– da subida rápida ao ostracismo imerecido –– acaba de virar filme. Com o ator Fabrício Boliveira revivendo o gestual pilantra de Simonal, mas com a voz do próprio a nos lembrar a musicalidade, a picardia, o estilo do tradutor único que ele foi.
Todas essas qualidades, porém, ficam sempre em segundo projecto quando se conta a trajetória de Wilson Simonal. No documentário de 2009, no músico de teatro, em shows, nas biografias em livro, no filme de agora, é impressionante uma vez que o fulgor do artista perde muito para o drama do ostracismo.
Todo mundo sabe uma vez que foi, Simonal pedindo a amigos,...
agentes do Dops, para “dar um susto” no contador com quem se desentendera. Os amigos exageraram, torturaram o contador e o caso se espalhou. Pior, transformou-se numa versão segundo a qual, pela relação com policiais da ditadura, Simonal seria um informante, um delator a entregar colegas que se opunham ao regime militar.
Nunca se provou pelo menos um caso de delação partindo do Rei da Pilantragem. Contribuíram para tal nomeada, além de ele ter amigos no Dops, seu livre entrada a pontos onde inimigos do regime não podiam entrar. Um exemplo é sua presença na fechadíssima concentração de Guanajuato, no México, onde a seleção brasileira se preparava para o tri. Lá, onde jornalistas, torcedores, todo mundo esbarrava na segurança policialesca chefiada pelo major Ipiranga dos Guaranis, Simonal era mais do que bem-vindo. Convivia com os craques e, para espanto universal, até treinava com eles.
A única reação a isso, encontrada pela amordaçada prensa da quadra, foi o silêncio. A partir do incidente do contador, o nome de Wilson Simonal desapareceu das páginas de jornal. Seus shows não eram mais anunciados, não lhe comentavam os discos, ninguém o entrevistava. Numa termo, sumiu.
Wilson Simonal morreu em 2000 queixando-se do desistência a que o condenaram. Tinha 62 anos e não se conformava por terem fracassado todas as tentativas de voltar, se não para restabelecer o trono de rei, pelo menos para ter espaço numa novidade geração. Mas era tarde. O silêncio que se fizera sobre o seu nome acabou por silenciar-lhe a própria voz.
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