Discos para desenredar em morada – ‘Sujeito estranho’, Ney Matogrosso, 1980 | Blog do Mauro Ferreira


DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Sujeito estranho, Ney Matogrosso, 1980

♪ Existem dois álbuns de Ney Matogrosso conhecidos somente pelos seguidores mais fiéis do cantor. Quem não vive tem temor da morte (1988) até fez jus ao ostracismo por conta dos equivocados arranjos da produção orquestrada por Marco Mazzola.

Lançado oito anos antes, em 1980, Sujeito estranho merecia ter obtido mais exposição na era. Até porque o álbum ainda resulta interessante 40 anos posteriormente a edição original.

Trata-se de álbum originado do show Seu tipo (1979), no qual Ney se apresentou pela primeira vez de rostro limpa. Sete anos mais tarde, a retirada da fantasia seria aclamada no show O pescador de pérolas (1986). Mas foi no show Seu tipo que o cantor, pela primeira vez, confiou somente no poder da voz de contratenor.

Com repertório formado basicamente por regravações, o álbum Sujeito estranho herdou músicas do roteiro do show Seu tipo. Das 11 músicas do álbum, somente duas eram inéditas em disco em 1980.

Uma – Napoleão (alfinetada nos ditadores de plantão) – vinha com a assinatura de Luhli (1945 – 2018) e Lucina, amigas de Ney e compositoras associadas à trajetória do cantor deste antes da explosão do trio Secos & Molhados. A dupla também figurava no disco com Coração encarcerado (1979), lançada por Luli & Lucina no ano anterior.

A outra inédita, Sujeito estranho, era de Oswaldo Montenegro, cantor e compositor que despontara em festival de 1979. A música Sujeito estranho explicitou a sexualidade do cantor, expondo sensualidade já amplificada no álbum anterior Seu tipo.

Essa sensualidade também reverberou em Gulodice vampiro (1979), música da amiga simpatizante Rita Lee, fornecedora do primeiro hit radiofônico da curso solo de Ney, Bandido corazón (1976).

Orquestrado sem o tom tecnopop que começava a se insinuar na MPB, o álbum Sujeito estranho foi produzido pelo pianista e maestro uruguaio Miguel Cidras (1937 – 2008), responsável do reparo em clima da gafieira do samba-exaltação Rio de Janeiro (Isto é o meu Brasil) (Ary Barroso, 1950).

Esse flash da era do rádio e a regravação do fado Paquete preto (Caco Velho e Piratini em versão brasileira de David Mourão Ferreira, 1954)...

soaram até inusitados em disco que dialogava basicamente com a MPB dos anos 1970.

Sempre prudente aos sinais, Ney já deu voz no álbum a duas músicas de Angela RoRo, Balada da arrasada e Não há cabeça, ambas lançadas em 1979 (a primeira na voz da autora e a segunda em antológica gravação de Marina Lima).

Guti Roble assinou a direção de produção deste disco em que Ney também regravou duas músicas lançadas em 1976 pelo grupo Os Doces Bárbaros. Um índio (Caetano Veloso) e O seu paixão (Gilberto Gil) – esta bafejada pelo sopro da flauta (de Zé Carlos) que sobressaiu no envolvente reparo de Miguel Cidras – são faixas que valorizaram o álbum.

Sucesso do terceiro álbum do grupo Os Mutantes, Ando meio desligado (Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias, 1970) completou o repertório deste disco ignorado pelo próprio Ney na era. É que, a muito da verdade, o cantor gravou o álbum Sujeito estranho para satisfazer o contrato com a gravadora WEA e transmigrar para a portanto recém-aberta Ariola e, nessa companhia fonográfica, reencontrar o produtor Marco Mazzola.

A estratégia deu perceptível do ponto de vista mercadológico. Na sequência, Mazzola foi o arquiteto dos dois álbuns, Ney Matogrosso (1981) e Mato Grosso (1982), mais bem-sucedidos da discografia solo de Ney Matogrosso. Dois grandes discos, justiça seja feita.

O cantor embarcou na vaga tecnopop com Mazzola até a fórmula se desgastar, em meados dos anos 1980, e Ney deliberar tirar novamente a fantasia no recital O pescador de pérolas. Mas ficou na história leste inquieto Sujeito estranho, joia rara da obra fonográfica do cantor.



Manadeira Notícia -> :Fonte Notícia



Mude para versão para dispositivos móveis deste site