Discos para desenredar em moradia – ‘Nostalgia da modernidade’, Lobão, 1995 | Blog do Mauro Ferreira

♪ João Luiz Woerdenbag Fruto, vulgo Lobão, já sabia que o inferno era incêndio quando, em outubro de 1995, lançou o álbum Nostalgia da modernidade, décimo título de discografia solo iniciada 13 anos antes com o LP Cena de cinema (1982).

Produzido por Mayrton Bahia para a Virgin Records, gravadora inglesa que se instalava no Brasil naquele ano de 1995, Nostalgia da modernidade flagrou o cantor, compositor e músico carioca em momento de retomada da curso fonográfica e da própria vida louca vida que partilhara com amigos exagerados porquê Cazuza (1958 – 1990) e Júlio Barroso (1953 – 1984) ao longo dos anos 1980.

Rebelde pela própria natureza roqueira, Lobão experimentava na dez de 1990 levar a vida sem o uso de drogas e, em 1995, estava há quatro anos sem lançar álbum quando apresentou Nostalgia da modernidade, disco em que incursionou pelo samba, e por outras levadas atípicas no universo das guitarras, sem deixar de ser do rock.

A elegante invasão pelo samba nem impressionou quem sabia que, há sete anos, Lobão gravara o álbum Zelo! (1988) com a adesão de ritmistas da escola de samba Mangueira, na qual o artista desfilara no Carnaval porquê integrante da bateria, tocando tamborim.

Chamou mais atenção, positivamente, a coesão do repertório e da produção músico de Nostalgia da modernidade, álbum que simbolizou ponto de maturação na trajetória desse artista que debutara profissionalmente na música em 1975 porquê integrante da filarmónica Vímana – pela qual também passaram futuros popstars porquê Lulu Santos e Ritchie – e, em 1981, foi cofundador e baterista da filarmónica Blitz, da qual saiu em 1982, trocando o sucesso fenomenal do grupo que abriu portas para o rock brasílico pela oportunidade de gravar o primeiro disco solo.

Música vertiginosa que se tornou o único sucesso radiofônico do álbum Nostalgia da modernidade, A queda (Lobão) já sinalizou na rombo do disco a subida qualidade do inédito repertório autoral constituído por 14 músicas e assinado inteiramente por Lobão, com letras escritas com eventuais adesões do sambista funkeiro Ivo Meirelles e de Regina Lopes (mulher do artista).

“Pra debutar quero expor / Que ainda sou o mesmo”, avisou Lobão nos versos iniciais de O jogo não valeu (Lobão, Ivo Meirelles e Regina Lopes), rock meio blues que soou com a face do Barão Vermelho. Outro rock, Mal de paixão (Lobão), também evidenciou a irmandade de Lobão e Cazuza – com recta a solo cortante da guitarra de Billy Brandão.

Sim, Lobão ainda era o mesmo – embora a letra de O jogo não valeu versasse sobre questão amorosa – e reiterou no disco o dom para conceber baladas apaixonadas porquê A flor do vazio (Lobão, Ivo Meirelles e Regina Lopes), música de lirismo acentuado pelas cordas orquestradas pelo maestro Eduardo Souto Neto, dos quais toque do piano também foi ouvido na tira.

Na sequência, Samsara blues (Lobão) entregou o que prometeu o título da formação introduzida no disco pelo toque do contrabaixo acústico de Bruno Migliari em conluio que, à medida em que a tira avança, fez sobressair o piano de Humberto Barros. “Fé cega é remorso na contramão”, cravou Lobão, com afiadas garras poéticas.

Na disposição do álbum, Luz da madrugada (Lobão)...

foi o primeiro samba à tendência tradicional carioca e iluminou a reverência do roqueiro errante às melodias e imagens poéticas dos bambas dos morros do Rio de Janeiro (RJ), cidade onde o artista de logo 38 anos tinha vindo ao mundo em outubro de 1957.

Em seguida, Coração lhano (Lobão, Ivo Meirelles e Regina Lopes) bateu insofrido ao embolar a mistura rítmica do álbum Nostalgia da modernidade com a conexão da eletricidade do rock com o furor rítmico da música dos cantadores e repentistas nordestinos. Foi quando as guitarras soaram porquê rabecas.

Uma das grandes canções do disco, Dilema (Lobão, Ivo Meirelles e Regina Lopes) – prova irrefutável de que a obra de Lobão estava em nítido progresso nos anos 1990 – ganhou a moldura de cordas que traduziram em sons a angústia entranhada na letra. As mesmas cordas foram orquestradas no tempo de delicadeza da balada A hora da estrela (Lobão, Ivo Meirelles e Regina Lopes).

Já O diabo é Deus de folga (Lobão) jogou o álbum Nostalgia da modernidade na pista com batida disco-dance-pop que remeteu às incursões feitas pelo contemporâneo Lulu Santos pela cena da música eletrônica no recente álbum Assim caminha a humanidade (1994) – universo no qual Lobão entraria com mais personalidade no disco seguinte, Noite (1998).

Com a mesma perturbação, mas em outra pista, Eu não embarco nessa vaga (Lobão e Ivo Meirelles) devolveu ao disco a eletricidade do rock. Sim, porque Nostalgia da modernidade se mostrou, em origem, um disco de roqueiro, mesmo que esse roqueiro tenha parecido letargo quando o artista arriscou conceber acalanto desassossegado porquê Sem sono (Lobão).

Tirada de vaga com os metaleiros estereotipados e com os garotos cariocas suingue sangue bom, o samba-funk De de de de déu (Lobão, Ivo Meirelles e Billy Brandão) expôs toda a acidez do roqueiro com a adesão de ritmistas da Mangueira. Veneno da lata!

O álbum foi encerrado com o samba que lhe deu título. Mesmo impregnado de formosura, o samba Nostalgia da modernidade (Lobão, Ivo Meireles e Regina Lopes) soou porquê hábil clone da verso e das melodias nobres dos bambas de tempos idos.