A busca pelo paraíso Tiki em um festival na Califórnia
Apresentações circenses e burlescas, performances de mulheres-sereias que cospem fogo, shows de bandas de surf music e exótica, homens usando fez e camisas estampadas, drinks coloridos muito bem decorados. Desde 2001, todo terceiro fim de semana de agosto a cidade californiana de San Diego, na fronteira com o México, recebe o Tiki Oasis. O festival celebra a “cultura pop polinésia”, algo que foi muito popular nos EUA na década de 50, decaiu em 60 e desde os anos 90 passa por uma retomada, atraindo arqueólogos urbanos, colecionadores de discos, escultores, tocadores de ukulele, entre outros grupos.
Apoiando-se no antigo ideal polinésio de paraíso para representar o desejo humano de fuga da vida moderna, a cultura Tiki se espalhou pela sociedade norte-americana no pós-guerra, época em que o Havaí era o destino dos sonhos, bares recriavam uma atmosfera inspirada nas ilhas do Pacífico, a classe média improvisava luaus em seus quintais, Elvis decorava Graceland com móveis rústicos e soldados traziam misteriosas figuras de madeira de missões aos chamados mares do sul. Intituladas Tikis, estas figuras inspiraram os totens que dão nome a todo este universo, personificando o anseio do homem civilizado por um oásis tropical — um sentimento universal, por isso mesmo o Tiki encontrou, ao longo dos anos, entusiastas não só nos EUA, mas em diversos cantos do mundo.
Durante três dias do último mês de agosto, cerca de três mil destes chamados ‘tikiphilies’ (“tikiófilos”) reuniram-se na Califórnia para viver uma experiência de aproximação com este paraíso perdido, seja bebendo litros de drinks à beira da piscina sob um sol de 30 e tantos graus, seja frequentando palestras sobre assuntos como trilhas sonoras obscuras e rum. Infelizmente, não em uma ilha.
Palco armado no gramado do hotel que sedia o festival por Adriana Terra
Chamado originalmente de Hanalei, o hotel que recebe o evento já teve arquitetura e decoração totalmente influenciadas pelo design polinésio, até ser comprado por uma grande rede de hotéis e ficar mais padronizado. A fachada hoje em dia é bem normal, assim como ocorreu com boa parte das construções Tiki pelos EUA, devido à atuação de empreendedores pouco interessados na história daquela arquitetura. Em seu jardim interno, no entanto, ainda restam algumas esculturas de madeira entre fontes e plantas.
Da Polinésia para o mundo
Uma palestra com o escultor Bosko ajuda a entender este fenômeno e o que ocorreu com ele de 1950 para cá, sua queda e retomada. Um dos responsáveis pelo recente resgate desta cultura, Bosko começou a esculpir estátuas e a produzir um dos objetos mais populares do universo Tiki, as canecas, no começo da década de 90, quando o fenômeno “Polinésia pop” tinha saído de moda nos EUA há décadas, tornando-se kitsch e desvalorizado. Nesta época, as influências da cultura Tiki na Califórnia, um dos locais onde o estilo encontrou seu terreno mais fértil, iam tornando-se claras para o artista.
“Percebi que havia algo de estranho ao ver o estilo polinésio transplantado para o sul da Califórnia. No entanto, minha atração por ele foi crescendo e crescendo, e quando Sven Kirsten [pesquisador e autor do livro-bíblia do movimento, ‘The Book of Tiki’] me explicou, em 1992, que houve um estilo Tiki californiano — ao mesmo tempo moderno, primitivo e caricato — era como uma epifania, tudo fez sentido”, conta o escultor em seu site.
Bosko não estava sozinho na retomada Tiki que se deu a partir de 1990. Se ele foi a peça-chave enquanto artista a revigorar o estilo, produzindo as famosas esculturas que são símbolo deste universo, Sven Kirsten foi decisivo na minuciosa pesquisa sobre o assunto, e Otto von Stroheim fechou este triângulo como o agitador cultural. Ao lado de sua mulher, Baby-Doe, ele é o idealizador do Tiki Oasis e mantém um bar do estilo em Nova York, além de ser o criador do pioneiro fanzine que conectou fãs deste universo pelo...
mundo, o Tiki News.
O escultor Bosko à frente de algumas de suas obras por Adriana Terra
Ukulele e espionagem
No principal evento Tiki que ocorre hoje, Otto e Baby-Doe fazem de tudo um pouco: coordenam as atrações (que vão de atiradores de facas e dançarinas de hula a mágicos com pinta de John Waters), os vendedores (há de barraquinhas de camisas estampadas a estandes de móveis), são mestres de cerimônia, batem papo com o público e atuam em encenações no palco armado no gramado do hotel. Ao lado deles nestas performances estão figuras conhecidas do mundo Tiki, como o escultor Crazy-Al, o tocador de ukulele e comediante King Kukulele e a artista Marina MeduSirena, responsável por apresentações que misturam fogo e água em uma atmosfera meio circense, meio parque aquático.
Evento temático, o Tiki Oasis já falou sobre zumbis, surfe, piratas e cultura mexicana, e neste ano teve como mote a espionagem, fazendo com que o visual do público, o repertório das bandas e as palestras girassem em torno do assunto. “Muitos filmes de espionagem tinham locações tropicais”, explicam os organizadores. “A subcultura Tiki sempre foi coberta por uma aura de intrigas exóticas, envolta por sensualidade e cheia de mistério, tornando-se também um terreno natural para uma variedade de filmes noir clássicos.”
“A surf music faz a ponte da espionagem com o Tiki” – cita outra conexão o pesquisador e DJ Double Ought Duke em palestra no evento. Mostrando capas e canções de trilhas sonoras de filmes de espiões, Duke fala sobre um universo que reúne de Henry Mancini e Lalo Schifrin a Peréz Prado e Jamaican All-Stars. Na plateia, não importa que ainda não passe das 11h da manhã: todo mundo já está com sua tacinha de dry martini na mão.
Piscina do hotel lotada no sábado de Tiki Oasis por Adriana Terra
Mai-Tai na beira da piscina
E então chegamos ao drink. Item essencial nesta cultura, os coquetéis são levados a sério entre os tikiphilies. A mais famosa bebida é o Mai-Tai, mistura de tipos de rum com suco cítrico, servida em um copo adornado com cerejas e abacaxi. A fissura pelo drink, no entanto, só está completa com o bar Tiki caseiro. “Vocês não têm um bar?”, questiona um dos artistas da exposição que ocorre no festival, para depois nos mostrar, orgulhoso, o seu espaço em fotos de uma revista que levava no bolso (!!).
Além destes bares privados que os amantes do Tiki mantêm em suas casas há, é claro, os comerciais que curiosamente surgiram antes mesmo da ideia de uma cultura sobre o assunto. Na década de 30, o pioneiro Don the Beachcomber aproveitou o fim da Lei Seca para experimentar com uma bebida barata, o rum, criando coquetéis tropicais que faziam a conexão com o fenômeno do Polinésia Pop.
Beachcomber, o nome adotado por Ernest Beaumont-Gantt, veio da atração do empreendedor americano por pegar coisas da praia, geralmente que vêm do mar. E foi com esse material que ele criou uma decoração original para seu bar, o primeiro templo Tiki que se tem notícia, responsável por influenciar tantos outros e manter viva uma tradição de lugares-refúgio que atraem os curiosos e fissurados pelo “vigor das culturas primitivas”.
Para saber mais:
www.tikioasis.com (site do festival)
www.facebook.com/tikimentary (documentário brasileiro sobre o assunto)
tikimodern.com (site do pesquisador Sven Kirsten)
www.tikiroom.com (fórum sobre o assunto)
Fonte:SOMA






